Vampiro Apaixonado

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Bento caminhava silenciosamente pelas vielas mal iluminadas.

O vazio das ruas era bem-vindo, sendo perturbado apenas pelos latidos dos cachorros muito distantes e alguns pneus que cantavam ao longe.

As luzes amarelas projetadas pelos postes formavam confusões de sombras que confundiam a mente, mas Bento já estava acostumado com aquilo, os misteriosos movimentos vindos dos cantos mais reclusos não o podiam assustar.

A ansiedade desbocava de seu peito conforme a distância diminuía.

Fazia séculos que não sabia o que era ser tumultuado por emoções e nem imaginava que pudesse retornar a saber.

Desde que a vida saíra de seu peito, o vazio se instalara no lugar como o supremo dono da casa. Contentara-se a vagar como um condenado esperando o seu próprio fim ansiosamente.

A noite se tornara seu lar e as trevas sua única companhia.

Mas apesar de tudo que vivera até ali, já era a terceira noite que fazia aquele mesmo caminho. E a cada noite, suas pernas se sentiam mais ávidas, mais impacientes e mais inquietas para chegar ao destino.

Diante do prédio estreito e alto, Bento fitou o sexto andar.

As paredes descascadas e as vidraças sujas já tinham se tornado muito familiares.

Luzes apagadas e a única janela aberta, sorriu satisfeito.

Transformando-se no asqueroso animal que o repugnava, voou até a pequenina sacada descuidada pousando ali e depois tomando novamente sua forma humana.

Então, olhando através da cortina esfarrapada e manchada, a viu.

Celestial, pensou ele suspirando, linda como um anjo.

Afastou as cortinas para podê-la enxergar melhor. Os longos cabelos dourados se esparramavam como uma auréola mostrando sua beatitude, a camisola fina e branca cedia nas curvas de seu curvilíneo corpo moldando sua graciosidade, a pele pálida e sedosamente macia o fazia salivar pelo cheiro e pelo sabor que se escondiam ali.

Ele queria aproximar-se. Admirá-la de longe não estava mais sendo suficiente.

Nas duas noites anteriores, contentara-se somente com a visão, mas agora suas mãos formigavam por contado.

Obedecendo mais aos seus instintos do que a razão, Bento dirigiu-se até a porta enferrujada que se abria para a sacada e girou a maçaneta, esta cedendo em sua mão, destrancou a porta permitindo sua entrada.

Com passos de felino ele entrou no simples quarto. A única cômoda posta ao lado da cama e encimada por uma pequena televisão indicava que seu adorável anjo não preservava muitos bens.

O carpete desgastado recebia a luz vinda pela janela, proporcionando ao ambiente um pouco de visibilidade, não que Bento precisasse disso.

Em pé, ao lado da cama simples de madeira, admirou-a deslumbrado.

Sentiu que seu coração poderia se acelerar em batidas frenéticas se não estivesse morto.

Agachou-se para estar mais perto e inspirou o aroma que saía de suas veias, misturado ao cheiro fresco do lençol de linho recém-lavado.

Sua cabeça rodou e a garganta ardeu. A obsessão com a mulher que dormia formosamente diante de si o fez esquecer até de alimentar-se nas últimas noites.

Bento aproximou-se mais um pouco e com dedos trêmulos atreveu-se a tocá-la.

Deslizou o indicador na veia pulsante de seu pescoço tão levemente que sentiu que podia chorar. Chorar por alívio. Chorar por redenção.

Tirando o dedo daquele lugar tão tentador, deslizou-o sobre os lábios pequenos e cheios, saboreando o calor que saia dali conforme ela respirava.

Fitou-a no rosto, gravando tão delicadas feições. Nunca a esqueceria.

Ajoelhando-se na cama, passou a mão por seu pescoço lhe erguendo a cabeça.

Ela não acordaria, eles nunca acordavam.

Abraçando-a com o braço livre para sustentar o corpo adormecido, encostou o rosto na curva deliciosa de seu pescoço, e inspirou novamente. O cheiro ali era mais forte e mais embriagador.

Extasiado com aquele corpo quente que pulsava contra o seu, Bento enfiou suas presas delicadamente no pescoço encontrando a veia desejada.

O líquido desceu pela sua garganta como água depois de uma longa caminhada no deserto, ele o aqueceu por dentro, o fez sentir-se vivo.

E aquele sentimento era bom, mesmo que fosse tão efêmero quanto à vida de um insignificante inseto, ele era bom.

Confortado, Bento tirou suas presas do pescoço o deixando ferido.

Ainda havia sangue, mas não queria matá-la.

A queria na próxima noite, e na outra, e na seguinte.

Sabia que a partir daquela madrugada iria querê-la sempre.

Necessitava dela.

Sua felicidade corria naquelas veias.

Ele não podia perdê-la.

O restante da noite se passou com ele ali, ajoelhado ao lado da cama vendo-a dormir.

Pouco sangue escorreu do belo pescoço machucado formando uma mancha no travesseiro. Uma mancha que lembrava um coração.

O seu coração, ele refletiu.

Nos primeiros anúncios da aurora Bento retirou-se, mas não antes de olhá-la longamente e prometer silenciosamente que voltaria.

***

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Bjocas!!

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