capítulo um

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Tinha acabado de chegar ao Brasil. Estava cansada da viagem e de ter andado à procura do Airbnb, e como me lembrava de passar pelo mar no caminho para a casa, decidi ir até à praia. Peguei na mala, meti lá o caderno e fui.

No início da rua já via o mar, o que me deu certezas do percurso a seguir.

A viagem até à praia foi pacífica. As ruas são movimentadas, senti-me segura. As pessoas falam muito da insegurança que sentem nas ruas do Brasil, mas a verdade é que eu me estava a sentir segura.

Descalcei-me quando cheguei à praia e comecei a escrever.

Queria estar o mais próximo possível do mar, mas ao mesmo tempo também queria poder olhar para ele e fazê-lo alvo das minhas observações e reflexões, o que me deixou dividida entre me aproximar ou não. Refleti ali mesmo no início da praia em pé e decidi aproximar-me. Não era como se uns metros atrás pudesse ver toda a imensidão do mar. Tinha também esperanças de, ao me aproximar, me tornar mais como ele.

Sentei-me. Abri o caderno. Peguei na caneta. Deixei os pensamentos fluirem. Tudo o que estava na minha cabeça naquele momento, passou a ficar eternizado em papel.

Algumas conclusões e muitas páginas depois, parei e fiquei a observar as ondas em todas as suas virtudes. Tinha uma banda sonora algo familiar. Interpelado ao barulho das ondas, uma combinação sonora de diversos instrumentos e uma voz harmoniosa. Tentei identificar a origem do som e reparei num bar na ponta da praia. Segui o som. A metade do caminho comecei a identificar a música, bem como os seus agentes. Nem queria acreditar. Só pensava no universo. A única coisa em que pensava era no quão grata estava. Qual era a probabilidade de serem os Lagum a atuar ali nas minhas primeiras horas no Brasil? A única banda, no universo que conheço, que me faz sentir exatamente aquilo que estou a ouvir.

Cheguei ao bar. O meu corpo foi invadido por aquela energia e não me pude conter. Tinha de dançar. (E não queria outra coisa.) As músicas iam passando, as pessoas iam-se sentando e eu continuava ali a dançar, em frente à minha banda favorita. Pedro, o vocalista, anunciou que iriam tocar a última música. Começaram os primeiros acordes. Era "A Gente Nunca Conversou", a primeira música que eu alguma vez ouvi deles. Muito mais do que nas outras, eu dancei e cantei. Estava a viver o momento. Feliz. Não conseguia parar de sorrir.

Procurei freneticamente na minha mala. Eu tinha mesmo de registar este momento e exatamente o que estava a sentir. O concerto já tinha acabado. Ouço uma voz que me disse que gostou de me ver dançar. Pedro, o vocalista da banda. Eu digo que adorei vê-lo tocar. Surge de imediato um interesse no meu sotaque e em saber de onde sou. Disse-lhe que sou de Portugal. Perguntou o meu nome. Camila. Apresentou-se como Pedro. Começámos a falar da vida, da minha em Portugal e da dele no Brasil. 

Apresentou-me aos seus colegas de banda e melhores amigos. Rapidamente fizeram referência à forma como dancei os seus temas. A conversa não parou e agora o sol estava a pôr-se e o bar estava a fechar. Pedro convidou-me para sair com ele. Recusei por uma razão apenas: é a minha primeira noite no Brasil e, para além de ter pago quarto para dormir, tinha ainda muitas reflexões a fazer, e muito para escrever. Trocámos números. Assegurei-lhe que se ele não mandasse mensagem, seria eu a mandar. Depois de uma conversa assim, a que a cada vírgula achávamos mais um ponto em comum, ele que nem pensasse que o ia largar tão facilmente.

Número Desconhecido: Só para você não ter de mandar mensagem.

Eu: Que anjo! Só pensas em mim.

Pedro: Acredita que não é mentira.

Eu: Mas bem, chegaste bem a casa?

Decidi ignorar a mensagem. De outra forma nem sabia o que lhe dizer.

Pedro: É, cheguei. Estivemos a jantar e agora estamos aqui a fazer nada mesmo.

Eu: Eu estou a escrever. Viajar implica uma enorme autoreflexão, e agora que conheci você, ainda mais tenho para escrever.

Pedro: É? Me fala.

Eu: Tenho refletido nos meus objetivos para esta viagem. Não planeei nada ao pormenor. Queria deixar o meu instinto levar-me. E ele levou-me até você.

Pedro: Você acredita no destino?

Eu: Não sei bem, sabe? É que eu acredito que todos temos o poder de fazer as nossas escolhas e guiar a nossa vida. Ah, sabe que mais? Acho mesmo que não acredito. Nós podemos mudar a nossa vida e guiá-la ao nosso gosto. Nem o destino nem ninguém muda isso.

Pedro: Então você levou-se a si mesma até mim e eu levei-me até você?

Eu: Exato! Subconscientemente estava procurando por você, e agora te achei.

Pedro: É mesmo?

Eu: Penso que sim. De outra forma não faz sentido no meio de 7 mil milhões de pessoas vir logo ter com você.

Pedro: Entendi. É, se calhar estava mesmo à sua procura.

Eu: Tudo pode ser desvendado. Acabámos de chegar ao segredo da vida! haha.

Pedro: Por falar em vida, me fala, tem sido boa com você?

Eu: Como disse há bocado, cada um de nós tem o poder de mudar o rumo da sua vida e fazer exatamente o que quer, e eu sei o que quero e o que não quero e conduzo a minha vida nessa direção. E, quer dizer, olhe eu estou no Brasil! Portanto, sim, a vida tem sido boa, eu tenho sido boa.

Pedro: Você acredita em Deus? Está falando muito do poder próprio. Acredita em um ser superior?

Eu: Acho que você já sabe a resposta. Não, não acredito. Não só por falar muito no nosso próprio poder como também porque não tem lógica, para mim, certas coisas do cristianismo. Eu acredito no universo.

Pedro: Foi bom falar com você, mas está ficando tarde e amanhã vai ser um grande dia.

Eu: Igualmente. Durma bem!

Pedro: Você também!

Só naquela altura reparei nas horas. 1 e 30. Não tinha sono, nem um pouco. A mudança de horário mudou tudo em mim, não tenho mais vontade de dormir. A solução para tudo é escrever e claro que não fiz outra coisa.

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