Carreguei esse pensamento por muito tempo. O céu avermelhado que o guardava, o tão desejado Castelo das Sombras. O imperador era alvejado por muitos. Nós, criaturas orgulhosas e egoístas, temidas pelos humanos e usuários da barbaridade. Essa é a única visão que temos: O poder. Há 1500 anos vivo com este ideal, porém, guiado pela ganância, tivera que escrever o meu futuro. Desde pequeno, o desejo de governar me consumia. Enquanto alguns se atracavam, eu o estudava e observava, ansiosamente. As tardes eram cheias de estratégias. Aquela linda penumbra escarlate me torturava, dia após dia. Logo seria minha e a data se aproximava. Eu tomaria seu poder à força e a glória suprema estaria a meu favor.
“Reverenciem o seu novo imperador, Tântalo.”
Um demônio ingênuo possuía sonhos inferiores, tornar-se comandante de batalha ou chefe de uma vila. Esses desejos me enojavam. Era como se estivessem traindo seu próprio orgulho, pisoteando-o amargamente. E aqueles que tiveram a honrosa ousadia de “crescer”, desafiaram o imperador para um duelo. Era uma grande festa. Todos se juntavam para assistir a grande desgraça, sem importar de que lado seria, e era o que acontecia. Afinal, você avisa a uma presa que ela irá ser devorada? Seus olhos eram pobres e não possuíam honra, mas isso nunca importou. Contanto que nenhum deles atrapalhasse, não haveria diferença.
O sol havia desaparecido e o chão estava negro. Dessa vez não haveria compaixão ou aviso, eu não faria como os outros. Saí em busca de minha glória, sem me preocupar com o que estava predestinado a sofrer. Ao sair do vilarejo, corri, inconscientemente. Não havia nada além da loucura. Ainda faltavam quilômetros, quando alguns de meus “iguais” vieram ao meu encontro, em busca de alimento. Seres inúteis, não? E essa rotina continuou mais a frente, e embora fosse um incomodo até que foi divertido. Seu sangue espalhado em minhas garras era a prova de superioridade. Um mundo desprezível, de fato.
Após o imprudente ataque de seus guardas, o imperador estava indefeso e ingenuamente certo de sua segurança. Confiar sua vida a outros, um completo covarde. Logo eu estava de frente para o portão principal. Pude sentir a ausência do vento. O puro silêncio, quebrado pelo ranger das magnificas portas. E lá estava ele, encarando-me de seu trono com seus olhos centrados recebendo um leve contraste devido à escuridão. Obviamente já havia percebido a minha presença. Ora, pelo menos um de meus companheiros que não poderia subestimar. Segui em sua direção cruzando o imenso corredor, com apenas o som de meus passos ecoando sobre o castelo. Já me encontrava na metade do caminho, até que ele se levantou. Deveria ter 15m a mais que eu. Seu olhar era de desprezo, dando um ar maligno junto com seus chifres e olhos avermelhados. Imitei seu olhar, mudando minha expressão sorridente e irônica repentinamente.
- Adorei o espetáculo. Porém, sua audácia não será reconhecida. Não aqui. – disse-me o demônio, sem mudar sua expressão. Estava apenas aguardando qualquer movimento meu.
- Não acha que está sendo galante demais? Não pedi o seu reconhecimento.
Logo após a minha resposta, suas garras estavam presas ao meu pescoço. Uma espécie de ameaça. Deixei escapar um sorriso, embora estivesse tentando me conter ao máximo.
- Você acaba de invadir o meu território. Por acaso não teme a morte? – falou, irritado.
Segurei seu braço direito, com força e o encarei, sorrindo.
- O meu território.
Ele rugiu para mim com uma força capaz de quebrar dois espelhos do pátio, perto ao trono. Uma declaração de batalha. Estava impressionado, nunca pensei que deixaria o grande imperador com tanto ódio. Que bela visão. Suas asas emergiram e ele me apertara mais forte. Soltei e o empurrei logo que pude, nunca vira tamanha força. Minhas mãos transformaram-se em garras, feitas por um material visualmente semelhante ao aço. Defendi um golpe certeiro de suas garras em direção ao meu rosto, o que me deixou imóvel e vulnerável. Desviei o golpe e corri para a sua direita, com um corpo daqueles levaria tempo para se virar. Montei uma estratégia. Ele alvejou minha cabeça, portanto consegui prever seus próximos movimentos. Meu alvo seria seu tórax, porque realmente era mais fácil de alcançar.
Minha atitude não mudara, possuía o mesmo sorriso sarcástico, o que o irritava mais ainda. Pude notar também um cheiro estranho e extremamente repugnante, era o cheiro do castelo. Aquele ser maltratou meu ilustre domínio durante 500 anos. Foi exatamente esse pensamento que me deu concentração. Corri para uma parede próxima, escalei-a, e pulei em suas costas, o que o fez rosnar de raiva. Mergulhava minhas laminas em sua pele fazendo feridas diversas, como distração. Ele rugia de dor enquanto tentava me arrancar de lá. De suas costas consegui notar uma vista panorâmica do salão, até que meus olhos fixaram em um objeto. O Cetro de Supremacia, meu verdadeiro alvo. Minha distração deu tempo o bastante para que seu dono conseguisse me alcançar e tentar me enforcar. Ele me segurou com força, ainda soltando alguns sons, demonstrando dor. Encarara-me, até que resolveu arremessar-me no chão. Claro que iria tentar me esmagar. Emergi minhas asas e voei para longe, infelizmente não poderia usá-las em batalha devido às lutas anteriores. Um pequeno erro de cálculo. O demônio veio em minha direção e repetiu vários murros. Eu tentava desviar de todos, se ele acertasse algum eu estaria morto. Só pude me focar em suas investidas, deixando-me relativamente indefeso. O que fazia parte de seu plano. O último golpe veio despercebido e me acertou em cheio, lançando-me a uma pilastra.
Minha visão estava turva e vermelha, e meu peito latejando de dor. Provavelmente ele me limitara a duas costelas a menos. O grande monstro se aproximava, rindo de minha desgraça, preparando-se para o golpe final. Aquele olhar de desprezo... Um espelho. Caberia a mim um dia ter aquele olhar? Arrastei-me para trás da pilastra, procurando me retirar por alguns minutos. Porém, ele sentia minha presença enfraquecendo aos poucos e voltou a me perseguir. Ia de pilastra em pilastra a minha procura, com um ar de satisfação em seu rosto. Estava distraído, e minhas asas já haviam se regenerado, pelo menos com certa intensidade.
Voei por entre as curvas do salão, fazendo vários barulhos por onde passava. Risos, passos e alguns sons de vidros, metais e pedras. Em seu espelho havia sombras vazias e sorridentes. Logo, espalhei-as por todo o ambiente. Um verdadeiro show de máscaras. Consegui amedrontá-lo, fazendo-o girar, confuso. Levei a “harmonia macabra” até o lugar onde guardava seu cetro, quando ele percebeu e correu para pegá-lo. Encostou-se na parede, olhando de um lado para o outro esperando alguma investida. Porém, esqueceu-se de checar um último lugar. Eu o observava de cima, sobre uma varanda no segundo andar. O grande imperador era minha presa, e seu predador estava bem acima de sua cabeça. Dei uma leve risada, alertando-o, porém não foi o suficiente. Saltei e ergui meu braço direito. Fixei minhas garras em seu crânio, cortando-o ao meio enquanto puxava sua cabeça para fora de seu corpo com o outro braço. Pousei com a grande cabeça ainda presa sobre as laminas. Larguei-a e joguei-a longe, livrando-me de qualquer resquício daquele perdedor. Andei até o tão esperado cetro e o segurei. Fixei meu olhar naquele artefato majestoso por algum tempo. Era meu. Tudo, agora, pertencia a mim.
Fora do castelo havia alguns demônios, assustados com o barulho e um pouco confusos. Cruzei o meio da multidão, encarando a todos. Olhei para o céu e ergui o artefato.
- Creio que haja um novo deus entre nós, não é mesmo? – falei, dirigindo-me ao publico – Agora vocês seguirão minhas ordens. Esse mundo está em minhas mãos, e aquele que tiver vontade de tomá-lo de mim, fique a vontade. Eu estarei aguardando.
Virei-me, voltei ao castelo e tranquei as portas. Lá, encontrei alguns servos imperiais que pareciam esperar ordens. Porém alguns me analisavam e pediam para não me mexer. Eu estranhei no começo, mas na verdade aqueles infelizes estavam planejando um manto para mim. Ainda penso que esperavam pelo menos um “obrigado”.
Os dias não mudaram muito. Meus afazeres continuaram os mesmos. Portanto, valeu a pena cada passo da jornada. Passei a observar meu império da torre mais alta do castelo, empunhando meu ilustre cetro. Minha lenda espalhou-se rapidamente de vilarejo em vilarejo. Com isso, vários demônios vieram atrás de mim em busca de meu trono. Claro que acabei com aquelas festas de duelo em duelo. Eles me atacavam a qualquer momento do dia, muitas vezes enquanto eu dormia. Mas, além disso, o único desprazer de liderar um mundo é o acordo entre outros. Eu não poderia permitir qualquer interação com outros mundos, o que me causou várias complicações. Fora isso, meus dias eram gloriosos. Era o demônio mais forte. Aquele que veio do nada para tornar-se e fazer algo grandioso. Assim, tornei-me imperador.
Karolina Penetra