CAPÍTULO I

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CAPÍTULO I

Londres, 26 de abril de 1814

Anastasia colocou-se diante da lareira da sala de estar e pôs-se a varrer as cinzas. Era uma tarefa que tinha de executar ao amanhecer, antes de tomar a refeição matinal. Madame de­testava o cheiro do fogo morto!

Endireitando-se um momento sobre a vassoura, ela esfre­gou as costas com a mão delicada. Então, com um leve suspi­ro de desânimo, alcançou a pá e preparou-se para recolher os últimos vestígios de cinza e depois despejá-los na caixa de ciscos.

Um leve ruído a suas costas a fez girar nos calcanhares, in­trigada. Quem poderia ser, tão cedo pela manhã?

Ao ver uma hirsuta cabeça cinzenta insinuar-se pelo vão da porta, soltou um suspiro de alívio: era Finn, o grande cão ir­landês que resgatara das mãos cruéis de alguns moleques de rua.

— Finn! Que está fazendo aqui? — disse com indulgente bom humor quando o animal aproximou-se dela, abanando a cauda, ansioso para que lhe fizessem festas. — Não sabe que seremos ambos castigados, se o apanharem?

Mas havia divertimento em seus profundos olhos cor de sa­fira, enquanto se punha de joelhos para abraçar o pescoço do cachorro, buscando conforto no pêlo sedoso em suas faces. Ele era o remédio certo para seu desânimo, suas, vagas inquie­tações.

O inconfundível tlap-tlap de chinelinhas pelo corredor in­terrompeu suas ternas efusões. Ergueu os olhos, assustada. Monique, uma das moças de Madame, estava parada no limiar com uma expressão de enfado no belo rosto oval.

- Trouxe de novo essa criatura asquerosa para dentro decasa? Como se atreve a desobedecer às ordens de Madame?

Anastasia segurou Finn pela coleira e pôs-se em pé, ouvindo o cão rosnar baixinho. Conhecia muito bem suas obrigações para saber que infringira uma das regras da casa.

- Eu não tive culpa, Monique. Finn seguiu-me até aqui.

- Cale a boca, pequena mendiga! — gritou a loira,tornando-se de repente vulgar, quase feia.

Súbito ela estacou e levou as duas mãos às têmporas.

- Oh, minha cabeça!

Anastasia fez um sinal silencioso a Finn para que sumisse dali e voltou-se para ela, solícita.

- Não quer que eu lhe prepare uma tisana? — ofereceu, pousando-lhe a mão no braço. — Dorcas tem um novo pó que seu amigo marinheiro trouxe do Oriente. Parece que faz mi­lagres.

- Gostaria de experimentá-lo — disse a jovem, ainda irritada, mas já abrandando diante de uma perspectiva de melhora.

Porém, ao perceber a marca que a mão suja de cinzas de Anastasia deixara em sua imaculada camisola de cambraia, voltou a se enfurecer.

- Veja só o que fez, sua desastrada! — Ato contínuo, com um movimento rápido e impulsivo esbofeteou-a na face es­querda.

Anastasia cambaleou e levou instintivamente a mão ao rosto, olhando para Monique com estupefação. Não compreen­dia por que ela vinha se mostrando francamente hostil nos úllimos tempos. E, naquele instante, enquanto sentia a pun­gência das lágrimas nos olhos, perguntou-se o que havia feito para provocar a inimizade da bela cortesã.

O que ela não adivinhava, apesar das manifestações eviden­tes, era que, como todas as pessoas que medem seu valor ape­nas pela aparência, Monique sentia-se ameaçada por ela.

Na verdade, a mais requisitada prostituta de Madame, a abelha-rainha do elegante estabelecimento de St. James, su­bestimará Anastasia quatro anos antes, quando a conhecera. A mocinha era excessivamente magra então e pouco desenvolvida para seus quinze anos. Além disso, trabalhava no sub­solo, em meio à criadagem. Para que se preocupar com al­guém que ocupava um lugar tão insignificante?

Equívoco de Christian GreyOnde histórias criam vida. Descubra agora