Capítulo Único.

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Me expus demais! E não foi por ser um show a luz do dia, a céu aberto. Não. Me expus durante minha fala, ao por minha alma, exposta em palavras. Era verdade tudo o que vivi naquele momento, naquelas frases, que antecederam uma das canções mais importantes da nossa curta estadia nesse mundo do povo que se diz da fama.

Fui falar, e tive que tomar ar. Minha voz embargou, minhas mãos suavam. A energia daquele mar de gente naquele solzão, era linda. Mas meu choro implorava pra que eu não o contivesse ali, em minha garganta. Só que eu não podia deixá-lo sair. O que não foi suficiente, me expus mesmo assim.

Agora estou no apartamento de São Paulo. Meu apartamento.

Mais uma vez sozinha, pensando, enquanto admiro o céu. Em breve terei que ir para o novo apartamento. Pra mim, aquele apê é da F/Simas e não meu, muito menos dela. Pra falar a verdade, nem sei se existe algo meu e dela, depois tudo que vem acontecendo.

Nossa ida pro Rio, na verdade foi a ida dela. De tanto ir, de tanto visitar, ela ficou. E isso eu soube por telefone.

Você entendeu bem. Ana Clara, depois de anos morando comigo não pôde olhar em meus olhos e dizer que queria voar. Partir. Ela, que escreveu Agora eu quero ir como um desejo de se libertar, dessa vez concretizou, nem pensou em quem deixou pra trás quando quis não mais vir.

E isso dói de um tanto! Olhar pra cada lugar daqui e ter uma lembrança nossa. Lembrar dos nossos beijos, das vezes em que tentei colocar ela nos braços e levar pra um dos quartos ou pro sofá, e falhar. Fazendo que a gente morresse de rir depois de cairmos as duas no chão.

Lembrar também das vezes em que eu acordei Ana, pra gente ir comer alguma coisa, em plena madrugada. E ter que me controlar pra não rir ao ver tu dançando apenas  a luz da geladeira.

Lembrar de como aqueles olhinhos de jabuticaba desde sempre foram tão lindos, principalmente nas suas fotos de criança. Me fazendo querer ter um monte de filhinhos, que tivessem os olhinhos dela e mais um monte que pudesse me adotar como Mamãe deles. Achava que seu futuro era eu.

Lembro dos faróis vermelhos que a gente quase ultrapassou, pelo fato de eu não conseguir tirar os olhos do seu  sorriso lindo. Além de querer chegar mais rápido em casa, pra podermos namorar mais, passar mais tempo juntas até o próximo show, ensaio, viagem.

Fecho meus olhos e os aperto, assim como faço com minhas mãos. As lágrimas correm livres por minha face com todas as lembranças que meu coração insiste em esquecer. Então pego meu bloquinho, que tu me deu pra compor e escrevo:

O que você está fazendo, Ana Clara? Será que seria ruim te ligar?
Já passa de três da manhã, mas aposto que tu deve tá acordada ainda. Mesmo cansada dessa semana em que a gente não parou um segundo. Nem pôde sair direito, pra simplesmente ser o que quiséssemos ser, por aí. Tu deve tá como eu, sentada em uma cadeira, olhando o céu pela janela. Olhando o movimento da cidade. E aposto que, assim como eu penso em tu, tu também pensa em mim.

Agora eu só queria te ligar e dizer que tá muito foda pra mim, não ter a liberdade de te ligar a hora que me der na telha. De não poder correr pra tu, sabendo que seria uma corrida curta, já que tu deveria estar no quarto aqui do lado. Meu celular tá aqui na minha mão, na tela mostra seu contato, mas eu não vou te ligar, Ana.

Aposto que tu pensa que as bocas que eu beijei são um sinal de que segui com minha vida, ou que faço isso por não ligar mais pra tu. Só por vingança, depois de cada vez que tu tenta se aproximar de mim e arrancar uma ação íntima minha e eu não correspondo, fujo. Aposto que tu nem sabe que isso tudo é medo de dar um oi com uma terceira ou quarta intenção é ter que te dar mais um "já deu, adeus".

É foda demais não te ligar! Sabendo que tu deveria ser a moça que bagunçava a casa toda comigo e me chamava de amor. Toda noite tu me vem em sonho, tocando meu rosto de forma calma, suave e querendo saber se eu ainda tenho coragem de arriscar tudo pra viver contigo. E minha quase aceita, mas aí chega de manhã e eu tenho que despertar.

Da minha cabeça não saem sobre o que devem ser tuas letras novas. Que tu insiste em rascunhar num papel qualquer e depois passar pra um bloco idêntico a esse que eu tô escrevendo enquanto penso em tu. Letras de canções que, se forem sobre mim, talvez sejam em vão. Já que é tarde demais pra nós duas.

Nossa. O amor da gente foi tão lindo! Já te falei que sonho contigo? Pois bem, mesmo que tenha falado, tenho mais coisas pra dizer pra ti. Se nos sonhos te encontro me convidando pra viver mais uma vez contigo, acordo sozinha numa cama. E tu, tu nunca foi de dormir sozinha, não é, Ninha?

O problema é que a cada vez que isso se repete, o tempo passa e apaga tuas digitais de mim, mesmo que suavemente, lentamente. Você anda tendo pesadelos, Ninha? Eles tem a mim como maior demônio?

Vivemos a distância pelo tempo, quilômetros, sentimentos, por termos vivido brigas, separações dos corpos e silêncio. O trem desgovernado que é/era nosso amor, finalmente descarrilou, Ana.

Teu namoro, como tá? Se tiver com ele só por minha causa, termine! Me beije, dá tempo de consertar tudo ainda. Espero que a gente ainda tenha o poder de ler pensamentos uma da outra. Se tivermos, desiste, Ana. Sai daí, vem pra casa! Eu tô em casa, tu que tem que vir. A minha casa é aqui. Eu tô em casa, meu velho e ainda amado amor.

Não sei se pedimos demais uma da outra e não pudemos cumprir nossas promessas e cada uma correu contra essa corrente que insiste em nos levar de volta uma pra outra, por isso tu foi pra aí, pra fugir de vez de mim. 

Flashback: Quatro dias antes do show de São Paulo.

Ligação ~

- Oi, Vi. Tá livre? Preciso falar contigo. - Ana nunca foi de perguntar nada, ela só é de falar, nunca tem rodeios.

- Oi, tô. Pode falar. 

- Tá sozinha? É uma coisa séria. - já sentei no banco mais próximo, meu coração já tinha me avisado que o golpe seria grande.

- Oxe, Ana, quem mais ia de tá aqui? Claro que tô só. Fale logo que eu tô é nervosa já.

- Então... é que eu pensei muito antes de tomar essa decisão... mas é que é muito sério.

- Se é tão sério porque tu não tá aqui pra falar? - já tava irritada, e não era pra menos.

- Não consegui falar antes, mas não posso mais te esconder isso. Então, queria dizer que eu me mudei. Vou morar no Rio a partir de já.

 - Ok. Boa vida, te além.

Flashback off ~

E assim ela se foi e eu fiquei. Com músicas tristes, uma garrafa de vinho e uma playlist nova no Spotify. 

Assim ela foi e eu fiquei sozinha. 

Assim ela não apareceu pro evento do Lucas e do livro que tem uma das melhores músicas nossas e eu tive que criar coragem, enxugar o rosto e ir. 

Assim ela continuou até chegar o dia do show e não ter coragem de me olhar nos olhos. Assim ela foi.

Me sinto agora como um dos rascunhos das tuas letras ruins: amassada, descartada, mas na esperança de poder ser reaproveitada em uma letra que possa surgir e tu venha me analisar se vale a pena usar de novo. Eu quero ser folha minha. Limpa, nova, clara, renovada. Eu quero poder me preencher sem ficar rezando pra ter a sorte de tu cogitar me levar em consideração, ver tudo o que eu posso te oferecer.

O tempo não parou, ele continua. Por isso sigo com ele e mesmo que espere uma ligação tua dizendo que quer voltar. Eu sigo, indo ao infinito em busca da bifurcação da estrada onde, tu vai decidir se vai embora de vez, ou segue o mesmo caminho que disse um dia ter escolhido trilhar só por ter a mim contigo.

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Agradecer a tu, jardimdeflor, por me dar toda a ideia. Espero por mais  presentes assim, mais roteiros e que um dia escreva-os também.
E como já virou costume, obrigada catarina13ac. Mais um nome é mais uma capa, onde teu talento se soma.
A tu que leu, luz pra tua vida, mil xeros 🍀❤

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