G A T A

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Em uma noite atipicamente quente para aquela época do ano, mesmo para o Rio de Janeiro, Emília se arrumava para um encontro às cegas. Estava empolgada, um sentimento incomum para esses tipos de eventos, onde normalmente somos inundados por nervosismo, incertezas, apreensão. Ela tentava, sem muito sucesso, é verdade, fazer um olho de gatinho enquanto cantarolava uma canção velha e pensava no cara que sairia com ela naquela noite. Não podia dizer realmente que encontros às cegas eram um sucesso para ela. Muito pelo contrário, mas esse tinha grande potencial. Ela havia feito seu dever de casa. Quando Nique, sua amiga, havia dito o nome do premiado, ela não perdera tempo e já havia escrutinado sua página do Facebook, por sorte, aberta ao público e sabia tudo de sua vida. Ou pelo menos, o que ele mostrava dela. Teria que tomar cuidado para não deixar que ele percebesse o quanto ela sabia, desde os lugares onde havia estado no último ano, até o nome de suas gatas e suas sobrinhas. Aquela pequena travessura levaria à um encontro meio chato, onde ele, Paulo, não teria muito assunto pra falar sobre o qual ela não soubesse ao menos um pouco. Mas era melhor assim do que ser pega de surpresa por alguém mala, sem nada em comum ou meio psicopata. Todos exemplos que ela já havia conhecido. E tremia só de lembrar, principalmente do penúltimo que ainda a bombardeava com mensagem para unir-se à ele em um culto de uma religião que ela nunca nem tinha ouvido falar. C-A-L-A-F-R-I-O-S.

Paulo, não. Paulo Rangel parecia ser perfeito. Ou pelo menos, algo perto disso, pra ela. Gostava de praia, sair com os amigos, de viajar, gostava de gatos e de cachorros também. Tinha uma família bonita e que parecia se ver com frequência. Tinha estudado em uma escola legal e era formado em Advocacia. Preenchia quase todos os requisitos de alguém normal. Com potencial. Por isso Emília estava empolgada. Do olho de gatinho já havia desistido e teve que tirar tudo e começar do zero. O traço de um olho havia ficado muito mais grosso que do outro. Como consequência, agora o olho dela estava meio borrado de lápis preto porque não conseguiu remover totalmente, mas nem adiantava tentar fazer um esfumaçado daqueles de revista porque o máximo que conseguiria seria o look "Panda de ressaca". Ela não tinha muito talento pra maquiagem. Com um pouco de pressa, pois já estava quase atrasada, terminou a pintura meio "Picasso encontra Dalí" e rezou pro ambiente do barzinho ser escuro. Ela não conhecia o lugar, ele o havia escolhido, era em uma área que ela nunca havia se aventurado muito, e sabia ser bastante movimentada. O que era ótimo, perfeito pra criar assuntos ou para uma escapada estratégica em caso de fracasso. Só que ela precisava sair logo de casa se quisesse chegar antes de ele aparecer e poder analisar o ambiente com calma. 

Continua em... O R I G A M I 

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