Depois de tanto chorar, resolvo por um fim nessa dor angustiante que insiste em me despedaçar.
Estou sozinha em casa. As vozes em minha mente ecoam cada vez mais alto. "Acabe logo com isso" "Vai doer um pouco, mas depois você não sente mais nada, é rapido" "Não pense naqueles que dizem 'te amar', se amassem mesmo não a faria chorar"
Tento não dar importância, mas a dias, meses, isso vem acontecendo, sinto que tentar fingir que está tudo bem não está ajudando, só está aumentando a frequência das vozes.
Sento na cama com meus fones de ouvido, ouço Broken do Lund no volume máximo, mando mensagens para todos os meus 'amigos' e fico torcendo para que eles ouvissem meu pedido de socorro rápido.
Espero. "Eles devem estar ocupados" digo pra mim mesma.
"Eles sempre vão estar ocupados demais para te darem atenção, larga de ser idiota, você só atrapalha a vida de todos a sua volta"
Me desespero.
Começo a chorar. Choro tanto que tento gritar e minha voz falha e me deixa sem ar. Começo a me arranhar. Talvez a dor de sentir as minhas unhas rasgando a pele dos meus braços me faça aliviar.
Ilusão.
Apenas mais uma ilusão. Sou tão inútil que nem controlar meus próprios pensamentos consigo. Pergunto pelos meus pais. Onde eles estão? Por que eles sempre estão longe na hora em que eu mais preciso. Não aguento mais.
Começo a imaginar a vida das pessoas que eu conheço sem mim por perto. Não iria existir mais brigas. Mais decepções. Mais problemas. Mais separações. Isso era certo.
"Eles vão ficar melhor sem mim. Meus amigos não terão mais que aguentar minhas crises existenciais. O cara que eu gosto não precisará mais responder minhas mensagens inoportunas. Meus pais não precisaram mais se decepcionar com a filha problemática mais NUNCA. Meus irmãos, eles são pequenos, quando crescer não vão nem lembrar de mim mais"
É. Talvez seja melhor para todo mundo. Em vez das pessoas se afastarem de mim, eu que me afastarei de todos e de tudo.
Para sempre.
"Mas e se eu não conseguir? As outras vezes que tentei foram em vão. Meu corpo sempre dispensava os remédios e as pessoas só se decepcionavam mais comigo."
"Não. Dessa vez não vai ser remédio. Nem enforcada. Nem overdose. Muito menos asfixiada. Eu só preciso de um a dois cortes em cada antebraço. Na transversal. A artéria braquial me ajudará a pôr um fim em tudo."
É isso.
Olho no celular a hora e a data. 22:47. 17 de Abril de 2018. Ninguém respondeu minhas mensagens. 800 seguidores no Instagram, 4208 amigos no Facebook. Alguns seguidores no Twitter que não me recordo os números. 276 contatos no WhatsApp. 70 seguidores no Snapchat. 290 seguidores no Musical.ly. Dois irmãos. Um pai e uma mãe. E mesmo assim, não tenho NINGUÉM para me ajudar quando eu preciso.
Realmente, sou apenas um peso morto na vida de cada um deles.
Já chega. Vou colocar um fim nisso tudo.
Desço para a cozinha. Quero comer o que eu tiver vontade antes de acabar com minha própria vida.
Abro a geladeira. Ainda tem dois pedaços de pizza da janta. Pego um suco de maracujá, meu preferido, sento no balcão da pia e faço minha última refeição. Choro entre as mordidas. Me engasgo com suco.
Sinto nojo de mim mesma. Sou tão gorda que eu resolvo comer antes de me matar. Mas continuo. Eu nunca mais poderei sentir o gosto de nada.
Acabo. Vou ao meu quarto. Abro a gaveta da cômoda, pego um bloco de anotação, uma caneta e a lâmina.
Aquela lâmina.
Fito ela e me recordo perfeitamente do dia que encontrei com ela pela primeira vez.
Uma garota que eu mal conhecia iria usar ela em si. Eu havia lido uns 'poemas' dela. Todos achavam que era apenas para chamar atenção. Eu devo ter sido a única pessoa que realmente sentiu a dor dela em cada palavra... Em cada vírgula... Eu conseguia imaginar ela chorando enquanto escrevia. Foi então que me aproximei dela. Cuidei dela. E por fim nos tornamos amigas. Ela tinha 15 lâminas. E deu uma para cada pessoa que se esforçou por ela. Eu fui uma delas.
Quem diria que a pessoa que sempre prestou pela vida estaria agora pensando em pôr um fim nela.
Agora estou aqui. Hipócrita? Talvez. Eu não conhecia a dor daquela doce e triste garota. Agora eu conheço muito bem. A diferença é que eu fui a primeira a tentar ajudar ela e com o passar do tempo sempre estive com ela. Já comigo a história é diferente. Não tenho NINGUÉM para ficar ao me lado. Para ouvir meu.
Pego a caneta e escrevo poucas palavras no papel.
"Ninguém nunca se importou com o que eu pensava quando eu estava viva, por que se importariam depois que eu morresse?" penso comigo mesma.
Pego uma roupa velha no guarda roupa. Visto-me.
Pego a lâmina e vou ao banheiro e me encaro por alguns instantes no espelho.
Ligo o celular no auto-falante com minha música favorita, e deixo na pia.
Entro no box e ligo o chuveiro e esquento a água.
Sento no chão e começo a chorar novamente.
Fecho os olhos e simplesmente faço um corte grande no antebraço. Aquela dor me fez gritar. Faço outro corte no outro braço.
Dói muito...
Dói mais do que eu imaginava...
Mas é a única dor realmente necessária. "vai ser melhor pra todos" penso comigo mesmo. Continuo a chorar. Começo a sentir frio. Parece que a água quente não está me esquentando mais.
Chega uma hora que eu não sinto mais nada. Não dói. Não sinto frio. Meu choro acaba. Escuto a música ao fundo cada vez mais baixinho. Me sinto leve. Me sinto feliz como a muito não me sentia. Finalmente todos poderam ser felizes sem eu para atrapalhar. Finalmente não me sentirei excluída, não amada. Meus olhos vão se fechando aos poucos. Ainda consigo ouvir minha mãe chegando em casa com meu pai e meus irmãos. Ela sobe até meu quarto Consigo ouvir os risos deles. Pronuncio minha última palavra antes de perder todos os meus sentidos por completo.
"Adeus..."
Minha mãe encontra o bilhete em cima da minha cama, nele estava escrito "Agora vocês poderão ser realmente felizes. Me perdoa por tudo. Fiz isso por todos. Amo vocês."
Ela grita chamando meu pai assim que me encontra no chão do box desarcodada. Repete "eu te amo minha filha, não se vá" milhares de vezes. Mas em vão. Eu já tinha ido. Se ela tivesse me dito que me amava antes de tudo isso acontecer, as coisas poderiam ser diferentes.
Mas não foi o que aconteceu. Eles estão livres de mim. Eles finalmente irão poder ser plenamente felizes.