Capítulo 1

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Frio. Assim que eu posso descrever minha manhã de 4 de janeiro. Eram oito horas da manhã e eu estava dentro do carro de mamãe, escutando ela e meu pai discutir um com o outro. O meu vôo estava marcado para oito e meia, e pelo trânsito, eu chegaria bem em cima da hora.

- Mariana! Eu falei mais de mil vezes para você não vir por aqui! - gritava meu pai, cuspindo as palavras.

- Antônio, me diz que diferença faria? Você sabe tão bem quanto eu que o trânsito pela marginal está tão engarrafado quanto aqui. - disse minha mãe bem calma.

A calma dela deixou meu pai sem jeito, ele parecia sem graça ao perceber que gritava sozinho. Enquanto eles conversavam mais calmos, eu parei e comecei a prestar atenção neles. Minha mãe era uma moça muito linda. Alta, pele branca, daquelas que fica vermelha com qualquer coisa, ela tinha um corpo robusto, com bastante curvas. E seus olhos eram a coisa mais linda do mundo, eles eram castanhos claros, com pequenas rugas nas suas laterais. Qualquer pessoa que os vissem, poderia ver o amor e a gentileza daquela mulher. Deve ter sido os olhos de mamãe que encantaram meu pai, que ao contrário dela, tinha olhos escuros e bem sérios. Meu pai, modéstia parte, era bem bonito, ele era muito alto e sua pele negra o mantinha bem mais jovem do que sua real idade. Ele era alguns anos mais velho que minha mãe, mas olhando de fora, ninguém diria isso. Ele era um velho bem conservado por ter jogado por anos seu esporte favorito, vôlei.

Fiquei nesse devaneio de admiração aos meus pais tempo suficiente para chegarmos ao aeroporto de Guarulhos.

- André, chegamos! Acorda! - disse meu pai me empurrando de leve e abrindo a porta para buscar minha mala.

- Hãn? Quê?

- Deixa de ser sonso garoto, vamos! Senão você vai perder o vôo.

- Ah sim, já tô indo. - disse rindo.

Saí apressado e corri para a fila do balcão para despache das malas. Olho o relógio e vejo marcando oito e cinco. Infelizmente, a fila estava enorme e eu já estava começando a aceitar que provavelmente eu perderia o vôo. No início da fila, um moço baixinho usando terno tirou minha atenção, e então totalmente de repente minha mãe surge e passa direto por mim.

- Oi moço, você pode ajudar a gente? Meu filho tem um vôo marcado para às oito e meia e a gente acabou pegando um congestionamento enorme. Pelo amor do bom Santo Cristo, deixa ele passar, por favor?

- Olha senhora, não sei se é uma boa ideia com esse tanto de gente atrás de mim.

- Moço, por favor, você não tem ideia de como ele estar neste vôo é importante.

- Sim, então passa aqui mas sem alarde para ninguém perceber que eu te dei vaga.

- Meu Deus, muito obrigada moço, Deus te abençoe muito viu? - disse minha mãe enquanto gritava para eu vir para o guichê.

- André! André! Vem logo menino!

- Calma, tô aqui já.

Me fiz de sonso e não questionei o porquê da gente acabar passando na frente de todo mundo na fila. Afinal, eu também estava grato por aquilo. A moça do guichê foi super atenciosa e compreensiva e agilizou ao máximo que ela podia todo o processo. Ela apontou para mim o portão B-2 e disse que eu poderia seguir para lá que o avião já estaria pronto. Após alguns minutos, cheguei a divisão entre passageiros e acompanhantes, naquele momento, iria me separar de meus pais. Foram 15 anos com eles, e por uma oportunidade, eu me mudaria.

No meio do ano passado meus pais ficaram sabendo de uma escola em Brasília que abriria vagas para bolsistas, a escola era enorme e super conhecida, eles logo se aprontaram e colocaram meu nome no sorteio de vagas para a prova de admissão. Passaram alguns meses e eu tive a sorte de ser escolhido para a tal prova, que graças ao bom Deus, pôde ser realizada em São Paulo mesmo. A prova era super extensa e era dividida em três dias. O primeiro dia era uma prova com conteúdo de humanas e uma redação, no segundo, o foco da prova era exatas, e no terceiro, cada estudante participou de uma entrevista com psicólogos, coordenadores e orientadores para saber se eram aptos e dignos do grande colégio. No final do ano, um pouco antes do Natal, o resultado final saiu, foi uma apreensão gigantesca em casa. Minha mãe fez uma oração, meu pai me ungiu, foi tudo programado para aquele momento de ver se eu tinha passado ou não. Eu estava animado, eu iria começar o Ensino Médio e estava na expectativa daquele recomeço.

Nós nunca tivemos muito dinheiro, com o trabalho do meu pai e da minha mãe, a gente conseguia pagar as contas e sair no fim do mês para algum lugar, mesmo que isso significasse regrar algumas coisas. Até o anúncio das bolsas na escola em Brasília, estava acordado que eu iria para uma escola particular ali perto de casa, não era nenhuma escola cara, muito pelo contrário, era a mais baratas delas. Mas era o que podia ser pago, e eu estava animado, sempre fui estudioso, e sabia que eu precisaria de muito estudo se quisesse passar em uma faculdade pública. Eu não tinha ideia do curso que eu queria, mas saberia que qualquer que fosse, não seria fácil alcançar. Tudo aquilo estava nas minhas mãos agora, eu avancei o mouse sobre o site, o abri e em cliques rápidos, abri a lista de aprovados. Não quis colocar a busca, queria eu mesmo procurar meu nome, mas meu pai foi mais rápido e em questão de segundos ele apontou meu nome na tela. Era isso, eu tinha passado.

Os dias seguintes da minha aprovação foram loucos, fomos atrás dos documentos autorizações, materiais, tudo. Só faltava falar com a minha vó. Ela que me acolheria em Brasília durante o tempo que eu estudaria lá. Meu pai ligou para ela e ela não pensou duas vezes, disse que seria maravilhoso ficar três anos perto do netinho que ela via tão pouco. E por fim, estava tudo certo, eu estava com tudo que precisava para ir para Brasília.

- Meu filho, vai com Deus viu? Que Deus te abençoe nessa nova fase da sua vida. Nunca se esqueça que a gente te ama. Não vou enrolar muito porque você precisa ir, mas olha, presta a atenção. A gente te ama muito, dói a gente te enviar assim, mas a gente tem que fazer isso, você entende né filho?

- Claro que eu entendo mãe, eu escolhi isso também. Fica tranquila e saiba que eu também amo muito vocês.

- André, sua mãe já disse aí o que tinha que ser dito, saiba que eu te amo muito, e assim que der pra gente ir, a gente te faz uma visita. - disse meu pai secando uma lágrima teimosa - E não dê trabalho para sua avó!

- Pode deixar pai.

- Tchau filho, até mais! - disse minha mãe chorando.

Com o rosto vermelho, catei minha mala, minhas lágrimas e passei pelo portão. Agora começaria uma nova fase da minha vida, e eu estava ansioso para ver o que aconteceria. Alguns minutos se passaram e eu já estava no avião, sentado na poltrona encarando o Aeroporto de Guarulhos ficar cada vez menor.

- Eu sei que tudo vai ficar bem.

Mudanças: Conhecendo CaminhosOnde histórias criam vida. Descubra agora