EU (por Michelle)

Capítulo 1

O INUSITADO

O conceito nos remete a algo fora do normal, uma situação fora do padrão costumeiro das coisas, que acontece de forma imprevista, num momento não esperado, e que posso chamar de uma surpresa.

É um acontecimentos raro, inédito, que quebra um processo habitual de fenômenos, independente de sua qualidade, boa ou má, ou de seu impacto circunstancial.

Em sendo inusitado, sempre haverá um impacto, que poderá ser temporário ou permanente dependendo de sua intensidade.

O acontecimento inusitado pode assumir formas das mais variadas. É um fato independente, mas que produz efeitos na vida de quem o vive. Acontece a surpresa, e percebe-se que houve uma quebra no ritmo habitual das coisas.

Rompeu-se a monotonia do cotidiano, o que pode causar surpresa, admiração, felicidade, e ainda muitas outras coisas.

É um evento que traz consigo local e data, e ocorre justamente quando não estamos especulando nada, e menos ainda tentando fazer com que aquilo aconteça, um acontecimento que foi possível em um universo de combinações de causa e efeito.

Normalmente o que acontece em nossas vidas é oriundo de correlações causais, que fazem com que determinados acontecimentos sejam possíveis

Mas O INESPERADO não.

E sendo assim, vamos qualificá-lo como uma química misteriosa, e que, no momento em que acontece nos desloca do desenrolar normal das coisas.

E ele surge como se fosse uma vontade de nosso inconsciente, mas não no mundo real no qual se inserem as amarras que nos tolhem, mas sim neste enevoado mundo virtual que criamos para nós mesmos. Muito melhor assim, ali estamos, ou melhor, sentimo-nos protegidos, e podemos nos entregar à própria vontade.

Temos a estória ou história que desejamos, que procuramos, ou ainda, no fundo de nossa existência, aquela que achamos que merecemos. Vem a vontade incontrolável de saltar naquilo que achamos que é conhecido, e que na verdade se mostra desconhecido. E quantas surpresas isto não pode trazer.

Escrevo em minha mente o que parece tão mais fácil, pois de certa forma consigo me esconder atrás das palavras. Meus filtros e edições permitem a criação de um alguém distante, projetando aquilo que quero ver e que os outros vejam, podendo assim , a cada momento ou situação, apresentar uma faceta diferente numa aura de mistério.

Praticamente um voyeurismo, através do qual defino o tamanho da fresta a ser deixada aberta.

Mas não nos esqueçamos do sutil oximoro, conhecido desconhecido.

1º Ato

O início. Como tudo começou?

Não lembro ao certo, ao ouvir uma música, uma imagem associativa qualquer, algo que li? Talvez até uma combinação de coisas, não sei.

A memória tem uma tendência sábia (será que é mesmo tão sábia?) de falhar nestes momentos. Lembranças de um passado não tão recente vieram, e me utilizei do poder de reaparecer de lá. Um reencontro com o meu EU da juventude, pueril, desordenado e inconsequente no me relacionar.

Época de certezas e convicções, onde tudo aconteceria do jeito que eu imaginava, sem a mais ínfima possibilidade de engano.

O EU atual, porém, sabe que àquelas verdades eram edificadas pelo desejo, que romantizava e poetizava a realidade, e convenhamos, nada mais certo e justo para aquele momento da vida.

Então porque não me mesclar no ontem e no hoje, e assim criar um novo personagem na minha história?

Não gosto das cenas iniciais. Um roteiro muito morno. Preciso mudar meu personagem. A fresta que deixei aberta é muito pequena.