VI

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    "Charles e Adriano!!! Flauta e sucesso!!! Casa, café e a droga da ameaça que eu fiz!!".
Após uma hora e meia de viagem, Natã tentava manter-se acordado e focado em mentalizar seus objetivos e a preocupação que lhe ocorreu durante o trajeto, de poder ter se prejudicado de alguma forma por ter deixado Sebastião ameaçado de morte. Judicialmente, estava preocupado, mas sua índole lhe dizia que era o melhor que poderia ter feito. Mas agora tinha de correr! E assim foi por cerca de quarenta minutos mais, até finalmente dobrar a esquina da Alameda Valência, onde no número 373, fica localizada até hoje, a mundialmente famosa Seth D'Art, o lugar onde as pesquisas sobre o trabalho de Charles tiveram início, tornando-se atualmente uma casa de acolhimento e apoio à carreira de novos artistas de diversas áreas. Nessa época, porém, o prédio era "apenas" um imenso casarão espanhol que Natã herdara de sua amada avó, com uma grande piscina oval vazia de água, mas cheia de folhas secas. Era rodeado de árvores pelo amplo terreno gramado com caminhos de pedra marrom entre os arbustos e plantas. Tudo dentro de uma larga alameda muito arborizada e florida, com estátuas gregas pelas calçadas, postes ingleses a cada dez metros e passarinhos cantando o tempo todo, o que criava ali uma harmonia mística entre a arte natural e a humana.
Danilo, Ayana e Alexandre já o estavam aguardando em frente ao portão do casarão, pois quando faltava uma hora para ele chegar, acordou a todos e pediu que o encontrassem lá. Adorava ver a amizade funcionando, pois eles poderiam estar com o clássico mau humor da manhã, mas ao contrário, Alexandre estava parado ao lado de uma grande maleta, assoprando um café e segurando uma bandeja com outro, que a julgar pela cor bege da tampa de isopor, era um café turco do Road's Café, o preferido de Natã. Ao lado estavam Danilo e Ayana analisando alguma coisa, aparentemente divertida, em um netbook e tomando cafés expressos também do Road's.
Natã apertou o botão de seu controle remoto e o portão começou a levantar. Assim que os amigos o viram, acenaram e sorriram para ele, que retribuiu as saudações. Em seguida acelerou para dentro de sua garagem, parou de qualquer jeito, desligou o motor e apertou o botão no controle para fechar o portão. Saltou do furgão e foi ao encontro dos amigos e com grande felicidade abraçou cada um dos três.
Após se saudarem, Natã escancarou as portas da parte traseira do furgão e começou a retirar o material que havia empilhado ali com a ajuda dos amigos. Tinha muito a mostrar e explicar a eles, por isso pensou numa divisão de tarefas: passaria o lado artístico e filosófico da coisa para Danilo e Ayana e se uniria a Alexandre para resolverem o lado judicial.
Dentro da ampla sala branca, havia somente um longo sofá de suede amassado prata e um grande rack cinza, lotado de livros e apetrechos tecnológicos. As paredes possuíam dois quadros grandes lado a lado, um de um pirata e outro de uma sereia e ambos aconteciam em uma praia idêntica. Pareciam se comunicar pelo olhar, entre uma moldura e outra. Ninguém fazia ideia de quem era o pintor. Natã fechou as janelas, apagou as luzes e ligou o projetor.
-Nossa, que garoto lindo!! –Exclamou Ayana ao ver Charles ampliado há sua frente.
-É verdade! –Concordou Danilo, -Esses olhos são... Hipnóticos seria a palavra?
-E vocês tão vendo pelo vídeo! Não sabem como é olhar essas piscinas ao vivo... E ele tocando? Vejam isso... E escutem bem!
Os vídeos foram passando e em dado momento, Danilo mandou pausar. Pegou uma pequena lanterna e pediu à Ayana para iluminar sua prancheta. Ele deu play e começou a tomar notas rapidamente, além de dominar totalmente o projetor. Adiantou, voltou, pausou, escreveu mais e finalmente ascendeu a luz. Virou-se para Natã:
-Você já reparou que ele toca EXATAMENTE a mesma melodia para cada constelação específica??
-Sim! –Confirmou Natã com entusiasmo, -Aliás, ontem a noite eu mostrei uma projeção ampliada da minha íris e ele compôs uma canção. Depois, quando eu tava me despedindo, ele tocou essa mesma melodia para mim, mas na hora eu estava de olhos fechados e mesmo que estivessem abertos cara, ele não veria os detalhes a ponto de reconhecer o que viu na projeção!
Danilo tinha um olhar perdido no nada enquanto dizia:
-Ele SABIA que era sua íris! Como se identificasse seu DNA. Sua impressão digital...
-O que isso quer dizer exatamente? –Perguntou Alexandre, e Ayana e Natã deram um passo a frente, deixando claro que compartilhavam a mesma dúvida.
-Bom, -Danilo começou a responder, -é só uma teoria, por hora não posso afirmar nada, mas –ele abriu um sorriso quase maquiavélico, -eu diria que esse garoto não compõe música inspirado no que vê! Ele toca uma pauta que só ele vê nas coisas!! É como se estivesse decodificando o Universo em música... Ou algo assim... –Ele se pôs a andar pela sala, -Afinal música é pura matemática... TUDO é matemática! Precisamos de ajuda!! Um matemático, um físico teórico, um especialista em física quântica, um cardiologista, um cachorro, um gato, uma galinha, papagaio e periquito... TODO MUNDO que possa contribuir de alguma forma!! -Danilo sorria sozinho, como sempre fazia quando acreditava estar no caminho certo e foi a primeira pessoa a utilizar a palavra que acompanharia Charles em todos os ramos que sua arte tocou:
-Caras... Nós temos um FENÔMENO nas mãos! Um fenômeno DE VERDADE, um daqueles que a humanidade deve sua gratidão por existir, não um desses que a mídia impõe e a massa dá crédito! Um gênio de verdade, uma luz contemporânea... Finalmente!! Um fenômeno natural e duradouro!
Natã olhou o relógio de madeira na parede e era quase meio dia. Ele passou um braço em torno dos ombros de Alexandre e disse ao amigo em devaneios à sua frente:
-Que bom que vocês têm um ponto de partida! Fiquem à vontade para investigar, mas sejam cuidadosos com o sigilo, porque afinal, as guardas dos meninos ainda não são minhas! Eu e o Alê vamos resolver esses detalhes então, ok?
-Ok!!
-Ok!! –Respondeu o casal quase que simultaneamente e Natã e Alexandre saíram, deixando os dois muito empolgados com todo aquele material para investigar.
Finalmente um fenômeno natural e duradouro!    

Charles Mártir E O Segredo Do UniversoWhere stories live. Discover now