Terça-feira, 20 de julho de 1995 – 23:04:33
A chuva castigava a rodovia, mas a pouco havia parado, estática, no ar. A passageira ao lado do motorista, bem como a chuva, não movia um músculo sequer. Parada no tempo... literalmente. O que segurava o volante, desesperado, gritou como nunca, e em poucos segundos, vendo que anormalmente nada mais se movia, foi cessando o berro. A sua frente o poste de luz encaminhado a dar fim a vida do homem de meia idade. Em uma breve percepção, conseguiu manter o foco e olhar para fora da janela, e o que viu não conseguiu explicar.
Um rapaz vestido inteiramente de preto se aproximando. Tinha cabelos cacheados em modelo bagunçado, aparentando certo desleixo. Baixo, em comparação aos de mesma idade. Quatorze, por acaso. Chegou perto do veículo e se debruçava à janela, deixando o colar com pingente pequeno de ampulheta cair para dentro do carro. Pôs-se a falar com o homem.
- É, meu amigo... lamento informar, mas chegou a sua hora. Mas calma, calma. Eu sei que o senhor deve ter dezenas de perguntas, não lhe culpo. Só lhe peço paciência, estou aqui justamente para sanar todas as dúvidas... Dentro de claro, cinco minutos. – Olhou para a ampulheta e ela prontamente virou de ponta cabeça, deixando a areia cor de grafite escorrer.
- O que... como... – Não sabia lidar, o homem.
- Certo, partimos do princípio. Você morreu, deveria tomar mais cuidado com o freio e a pista molhada, mas agora é tarde demais. Nada a se fazer. "C'est fini" como dizem os... franceses? Bom, quando o tempo acabar, sua alma irá para outra jurisdição, que eu particularmente não tenho muito conhecimento ainda. Sou novo nesse trabalho, entende?! – Soltou uma risadinha sem jeito, olhando para o lado e voltando à seriedade.
Tudo o que cercava o carro estava completamente paralisado, o que causava estranheza ao homem. Partia a ser uma cena digna de cinema, com marcas de pneu no chão, muros arrebentados e o poste de luz, imponente, caindo em marcha acelerada.
- A senhorita em sua companhia... Esposa?
- Sim! Sim, minha esposa, por que ela não se mexe? Por quê nada mais se move?
- Como o tempo está acabando, serei um pouco mais breve. Ao contrário do senhor, ela vai sobreviver, fique tranquilo. Para ela, o segundo antes de toda essa bagunça está congelado, ela não se lembrará de nenhuma palavra nossa.
Olhando o interior do carro, por simples curiosidade, notou um movimento no banco de trás. Apertou o peito suas próximas palavras.
- Me desculpe... Você não irá sozinho. Seria melhor ter apertado bem o cinto dessa fofura.
- Não! Por favor, é meu filho. Salve ele. Tire-o daqui. Lhe imploro. Por fav... – Viu a imagem do jovem se dissipar em fumaça.
A chuva e o poste caíram. O carro, estocado, virou alvo de câmeras e miragens. A nuvem enfim passou contra a lua cheia, e aquele pedaço de terra logo se encheu de ambulâncias, repórteres e os familiares. Naquele momento, o garoto da ampulheta dormia tranquilo em sua cama, não muito longe dali, sonhando com outras mil coisas que lhe distanciaram do horror de seu cargo na Terra.
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Além dos Cinco
FantasyThiago Avern, mais conhecido nos céus como Dhaaro, divide seu tempo na terra entre a vida cotidiana de um garoto adolescente e seu real propósito, ser um anjo anunciador da morte. Mesmo levando sua função tranquilamente bem, o jovem sente um desequi...