- Denovo? - uma voz fina e indignada acompanhada de passos apressados ressoava por todo o corredor - não acredito que ele se machucou denovo!
A dona de tal indignação era uma mulher de feição enrrugada, corpo esguio e fala imponente que estava acostumada em resmungar sozinha.
- Toda vez que uma criança se machuca a culpa cai sobre meus ombros. É sempre assim!
O fim do corredor se aproximava. O pátio já conseguia ser visto. Um espaço grande e arborizado forrado por uma grama verde. Era o único lugar em que as crianças do orfanato tinham permissão para correr.
Em um pé de laranjeira uma porção de crianças se aglomerava cada vez mais. E cada vez mais chegavam mais crianças.
- Todos pra fora do pátio! - ordenou irmã Almeida com um berro assim que pisou no gramado.
Depois da ordem, o pátio inteiro ficou em silêncio e se esvaziou num piscar de olhos, como num passe de mágica.
Encostado no tronco da árvore estava Rômulo, com uma grande laranja nas mãos.
- O que aconteceu aqui? - a freira questionou furiosa.
Rômulo arregalou os olhos mas, no fundo, já estava acostumado com aquela pergunta.
- Eu queria pegar essa laranja... - estendeu seus braços para a freira - e consegui pegar... quer?
Rômulo olhava para a freira esperando uma resposta.
Irmã Almeida levou as mãos sob o seu rosto, esfregando-o. Aquela reação da freira era típica em situações estressantes como aquela. Talvez serviria para recobrar um pouco da paciência porque, depois disso, sua voz se acalmou:
- Não Rômulo. Não quero, obrigada - respondeu respirando fundo - mas já está escurecendo, guarde essa laranja para amanhã no café da manhã.
O garoto acatou as palavras da irmã com um aceno tímido. Ele ainda olhava para ela esperando uma ordem para ir para seu quarto.
Almeida passou seus olhos preocupados pelo corpo do garoto:
- Você se machucou? - perguntou com uma voz baixa.
- Eu acho que meu pulso se deslocou mais um pouco, tá doendo.
- Então levante. Você vai para a enfermaria e depois direto pra cama! - ordenou irmã Almeida com dureza na voz.
O garoto acatou a ordem e se dirigiu sem pressa para o corredor rumo à enfermagem. Ele já conhecia aquele trajeto muito bem.
- E nunca mais suba nessa árvore denovo! - reforçou Almeida.
...
- Olha ele aí! - três meninos do quarto 309 comemoravam com risos e deboches vendo Rômulo entrando pela porta de seu quarto.
- Esse não é o quarto de vocês - Rômulo rosnou mas foi ignorado.
- No pulso denovo, rachado? Que azar hein! - Maurício lamentou vendo o braço esquerdo de Rômulo apoiado por uma tipóia azul.
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Quimera
HorrorConto premiado com o 2°lugar no concurso @TerrorBrasil. _____________________ Rômulo alimenta cada dia mais o desejo de recuperar uma das únicas lembranças de sua família. E para tirar o que é seu das mãos de Maurício, ele precisa completar um últim...