Capítulo 3

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Emily

     Não acredito que um ano se passou desde aquele terrível acidente. Hoje é meu aniversário de dezoito anos, o primeiro em que duas pessoas que eu amo mais que tudo não estão presentes para me dar parabéns quando eu acordo. Não estava nem um pouco afim de festa e deixei bem claro à todos. Acordo seis horas e vejo que o sol nasce iluminando a janela do meu quarto. Pego o pequeno quadro no criado-mudo onde tinha uma foto minha com meus pais e meu irmão. Lágrimas descem pelos meus olhos e começo a lembrar do ocorrido há um ano e três meses.

          ~Flashback on~

     -Por favor doutor, diz que eles estão bem.-Implorei com a visão embaçada de tanto chorar.
     -Sinto muito. A situação deles é muito crítica. Seu pai está acordado e chama você. Já sua mãe, não resistiu aos ferimentos.-Responde o doutor James. Ao ouvir isso dele, o mundo que existia debaixo de meus pés sumiram. Minha mãe havia morrido? Não, não, não. Isso não podia estar acontecendo. Não comigo.
     Caio de joelhos chorando muito. Não via mais o que estava acontecendo à minha volta, pra mim não existia mais mundo. Senti braços me levantando e me debati pois não queria levantar nem abrir os olhos.
     -Papai está nos esperando Emmy.-Diz David me segurando firme. Quando finalmente cedi, ele me levou até o papai. Ao entrar no quarto e olhar para meu pai, desabei completamente.
     -Papai.-Digo ao lado de sua cama segurando firme sua mão.
     -F-filha.-Diz com difuldade e abre um fraco sorriso.-Quero dizer uma coisa a vocês. Não sei quanto tempo mais eu tenho aqui nesta terra, mas não quero que desanimem por isso. Eu e sua mãe já cumprimos nossa missão aqui. Busquem força de Deus e Ele estará convosco.-Diz.-Eu amo vocês.
     -E-Eu também amo você papai.-Digo com muita dificuldade.
     -Eu também.-David estava do outro lado da cama segurando a outra mão do papai.
     -Por favor, não me deixe ainda.-Supliquei, mas era tarde demais. Papai fechou os olhos ainda com um sorriso e a máquina apitou mostrando que seu coração havia parado.-Papai.-Grito desesperada, quando entra vários enfermeiros e tentam me tirar da sala, mas me desvio deles e agarro a mão do papai.-Eu não quero sair.
     -Emmy, temos que ir.-David me agarra me arrastando para fora, onde escorrego pela parede sentando no chão do corredor e chorando. Meus Deus me dê forças para suportar essa dor.
     Após cinco longos minutos, doutor James sai da sala com a expressão abatida. Entendi pelo seu olhar triste. Papai se foi. Mamãe e papai haviam morrido. Meu mundo acabou. Desabei em lágrimas por tanto tempo que apaguei.

          ~Flashback off~

     Me lembro desse dia como se fosse hoje e também lembro de acordar na minha cama depois de tudo pensando ter sido um pesadelo, mas não era.
     Lucy e Cait estavam morando na minha casa. David se recusou a vender a casa e o carro, arrumou um emprego com um irmão da igreja, onde ele poderia sair para fazer missões sem problemas.
     Me ajoelhei, agradeci a Deus por mais um ano de vida, me levantei, fiz minhas higienes e fui tomar um belo banho. Como Cait e Lucy ainda dormiam serenamente nas outras camas ao lado da minha, deixei-as e me arrumei para a escola dominical. Coloquei um vestido simples florido e sapatilhas pretas. Iria almoçar na casa de Raquel, então arrumei uma mochila pois ficaria lá para ir a noite para a igreja, como Cait não iria por estar mal, nem acordei a coitada.
     Na igreja havia um garoto novo que despertou algo em mim, o que fiz questão de ignorar pois tudo o que eu queria agora era trabalhar para Deus. Descobri que é primo do pastor Dan e é bem simpático. Gostei dele. Meu irmão só fez drama como sempre. Eu não estava tão feliz, me sentia triste por não ter meus pais presentes nesse dia que antes era o melhor para mim, mas não demonstrei em nenhum momento. Ninguém me deu parabéns, acho que se esqueceram, mas não achei tão ruim, afinal, eu não queria comemorar.
     Foi uma tarde bem divertida ao lado de meus amigos, me fez esquecer um pouco a dor. Cantamos, brincamos e tomamos banho de piscina. Às cinco, todos estavam prontos para irmos para a igreja pois o culto começaria às seis.
     Ao chegarmos na igreja, Dan me deixou responsável por deixar Miguel atualizado nos hinos que a mocidade irá louvar hoje, que seria Canção do Céu do Anderson Freire e A Essência da Adoração da Damares.
     -Nunca consegui convencer os líderes de Belo Horizonte a ensaiar esse último hino com a mocidade. Ele é simplesmente maravilhoso.-Miguel diz sorrindo empolgado. Ele tem um sorriso tão lindo. Para Emily. Esse sentimento não é da vontade de Deus e logo vai sumir de seu coração.
     -Também acho.-Sorrio.-Choro muito ao louvar ele. Você toca alguma coisa?
     -Sim, mas apenas bateria.-Ah Deus é bom.
     -Então pode ficar no lugar de Lucas já que ele foi embora.-Sorrio triste. Após o grave acidente, Lucas ficou deficiente visual e seus pais se mudaram para São Paulo, onde quase toda a família mora. Cait foi a que mais ficou triste, já que eles estavam orando.
     -Ele não ficará bravo?-Perguntar receoso e então explico o ocorrido.-Nossa. Dan me contou desse acidente.-Diz com pesar.-Ainda bem que não houve nada tão grave.
     O encarei, mas não falei nada pois não iria jogar tudo em cima dele. Uma lágrima solitária desceu involuntariamente e sequei rapidamente, mas ele percebeu.
     -Emily? Tudo bem? O que aconteceu? Eu disse algo que não devia?-Pergunta assustado. Rio dele.
     -Tudo bem. Fique tranquilo. Vamos ocupar nosso lugar na banda. Já estão nos esperando.-Digo saindo do assunto e nos juntamos a banda, Miguel na bateria e eu no violão.
     O culto começou e cantamos vários hinos da harpa, mas o último é o que eu mais amo que é o 545. Chorei muito enquanto trocávamos e cantávamos ele. Logo chegou a vez da mocidade. Foi maravilhoso. Cantamos os dois hinos e muitos, inclusive eu, foram cheios do Espírito Santo. Ao chegar a hora da palavra, Dan pegou o microfone. A igreja estava lotada, não se via espaço para mais ninguém nas cadeiras.
     -Hoje não será eu quem trará a palavra. Quero convidar meu primo aqui.-Miguel se surpreendeu pois não esperava por essa, mas se levantou. Antes parou ao meu lado e pediu para que eu ficasse no violão pois ele sempre cantava no meio das ministrações.
     -A paz do Senhor irmãos.-Diz no microfone e apos todos respoderem com um "amém", ele prossegue.-Confesso que não esperava por essa, mas graças à Deus eu vim preparado, pois um soldado deve estar pronto para a batalha. Peguem as vossas bíblias e abram no livro de João 3:16.
     "Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna."
     -Amados, ao lermos esta passagem, podemos perceber quão grande é o amor de Deus por nós. Se fosse você pai ou mãe, daria a vida de seu próprio filho para salvar toda a humanidade? Nenhum pai ou mãe seria capaz de dar a vida de seu próprio filho para salvar toda a humanidade, onde ninguém é merecedor de um ato tão grande, mas com Deus foi diferente. Para fazermos as coisas para Deus, não devemos olhar para as dificuldades e sim fazer com prazer, pois não dói tanto louvar, não dói tanto pregar e muito menos orar. Passamos por lutas, mas precisamos nos lembrar que nenhuma dor que passarmos, será pior que a dor de Jesus. Ele levou chicotadas, tudo por amar eu e você, então, em vez de reclamar que está doendo, que tal olharmos para o céu e agradecer a Deus por ter mandado Seu filho para nos salvar mesmo sendo pecadores? Não somos merecedores de nada, mas Deus ainda fez tudo isso para que fossemos perdoados e um dia, irmos para o nosso lar que Jesus foi preparar. Ah Miguel, que lugar é esse que todos falam tanto? É um lugar onde não haverá morte, nem choro, tristeza ou dor. Cantemos a Deus.
     Eu estava chorando muito com toda essa palavra. Miguel me olhou, indicou a nota e começou a cantar acompanhando meu violão.

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