Antes fossem fantasmas assombrando, eu não viveria com a tamanha desolação que tenho, a profunda tristeza que tive e a bala no crânio que irei ter. Acomodado em um canto escuro e gelado dessa maldita casa estou, aos prantos, a mercê da própria insanidade, me perguntando "o que de fato aconteceu?". Injusta a simples pergunta possuir tão complexas respostas. Há quem diga, ao ler minha memória, que não tentei com todas as minhas forças encontrá-las, perdão, mas entenda, o que me restava somente foi suficiente para pouco e o com as migalhas concede-lhes essas últimas memórias.
Sou de New York, a selva de concreto arquitetada a partir dos sonhos que nela, futuramente, se concretizaram. Vivi longos e divertidos anos em Manhattan. Até hoje me lembro da ofuscante luz emitida pela cidade a noite, assim como o incessante barulho que por vezes me atrapalhava a dormir. De manhã, acordava ao som de carros buzinando em meio aos constantes engarrafamentos e de altos tons vozes de pessoas sem educação atrasadas para o trabalho. O ar de poeira e combustível queimado preenchia meu quarto e meus pulmões. Lógico que tamanha poluição era prejudicial a minha saúde, mas nunca o suficiente para contaminar meu coração, impedindo-o de querer vê-la caminhando pela calçada sorrindo, ao abrir a janela. "Reluzente" significa teu nome, combinava bem com a cor de seus longos cabelos amarelos e o que ela representou para mim. Iluminado foi o dia em que você aceitou meu medíocre escritório de contabilidade como seu emprego, amada Helen. Ela foi minha assistente por alguns anos, antes de se tornar minha sócia nos negócios e, mais tarde, na vida. Com ela, fui capaz de aceitar, uma vida medíocre de classe trabalhadora como algo ainda mais satisfatório do qualquer outra mais luxuosa. Mesmo assim, como um casal, concordamos que viver em um apertado apartamento na periferia da cidade era algo desagradável. Então, eis que surge uma oportunidade. Transferir nosso escritório para uma cidade no interior do estado de Wisconsin, enquanto podíamos atender os clientes da capital, Madison, cuja cidade era terra-natal de Helen e lar de seus mais próximos parentes. Para ela, voltar a ter convívio com a família era maravilhoso, e para mim, que nunca teve o apoio da própria, era inédito. No mês seguinte, já havíamos visitado pelo menos uma dúzia de casas e propriedades a venda em alguns dos condados mais próximo de Madison, até encontrarmos definitivamente um lugar que podíamos chama de "Nosso novo lar".
Wisconsin Dells, uma pequena cidade, a pouco mais de uma hora de viagem da capital. Um condado pouco movimentado, de ruas largas e uma atmosfera de um fim de tarde. Crianças brincavam nas ruas e vizinhos se falavam enquanto cuidavam de seus jardins floridos com espécies nunca vistas antes por mim, mas comum para quem entende do assunto. As casas eram pequenas e bem simples, muito parecidas uma com as outras com exceção de uma apenas, a última casa da rua Capital. Uma casa enorme, sem dúvida a mais luxuosa dentro todas anteriores. Talvez tivesse sido construída por descendentes de algum britânico, emigrante da época colonial. Construída em madeira, era de um branco azulado que lembrava o céu levemente nublado. A fachada era ampla e cercado de grama, porém simples, contendo uma pequena trilha de pedras que conectavam a calçada à porta. No saguão de entrada, havia um lindo lustre de cristal que chamava a atenção ao abrir a porta, o piso era inteiramente de madeira bem lisa. As paredes repetiam a coloração vista pelo lado de fora, com exceção da cozinha, onde já não se via os tons azuis, mas sim um puro branco. A lareira, da sala de estar, tornava o ambiente acolhedor e aconchegante quando acesa. No segundo andar havia mais dois quartos: um pequeno, mas o outro, maior do que todo o meu apartamento em New York. Sem pensar duas vezes, compramos a casa e por um preço surpreendentemente barato. Como já havia comentado, nunca me importei com alta classe, tão pouco com a ostentação de valiosos bens, mas como negar a compra da mais bela casa já vista pelo homem, por um preço bem abaixo do mercado?
Os dias seguintes a mudança, foram os mais felizes da minha vida. Acordava todas as manhãs ao lado da mulher mais linda do mundo, em nosso quarto, altamente iluminado pelos raios de sol. Eu lia as notícias do jornal vendo ela, as pressas, se arrumar para o trabalho e brigando comigo para fazer o mesmo. Duas a três vezes por semana íamos à capital Madison para atender clientes e visitar os pais de Helen. Nas tardes, o crepúsculo nos presenteava com uma linda visão que podia ser melhor observada ao sentar na pequena escadaria a frente da porta de entrada da casa. A noite, principalmente as mais frias, eu acendia a lareira e me afundava em minha poltrona. Dela, era possível observar a cozinha, onde Helen adorava estar. A refeição feita por ela emanava um aroma delicioso, mas nunca descobria o que de fato estava sendo preparado.
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Nos Limites da Compreensão
Short StoryNo ano de 1945, um andarilho chamado Dominic Anderson conta sua história através de anotações e relatos arquivados em seu diário, a procura da verdade sobre a tragédia que ocorrera durante sua infância. Investigando testemunhos de sobre uma série de...