Além dos Cinco

Capítulo III - Estranho... Duas vezes.

Em frente ao fantasma do banheiro feminino, Thiago não tinha mais ideia do que poderia acontecer. Pelos longos anos de experiência nas escolas humanas, sempre percebeu que boatos corriam sobre um ou outro fantasma ou assombração que "pegava as criancinhas", mas no fundo achava tudo uma grande bobagem, e sabia como eram os verdadeiros fantasmas, já que lidava todo mês com pelo menos três. Mas estando a frente daquela figura pálida e sem expressão fez todos os seus conceitos mudarem, nunca havia presenciado aquilo, e mesmo sendo quem era, tinha um pouco de receito do que poderia desencadear.

- Espero não a ter incomodado, mas como Anjo Residente da região precisava esclarecer algumas questões com a senhora. – Dizia Lara enquanto lentamente tateava o pequeno cronômetro.

Silêncio. Um ar gelado começou a contaminar o ambiente. A chuva lá fora começou a cair mais forte, acompanhada de relâmpagos esporádicos.

- Sobre a garota que sumiu. Foi a senhora? – Foi Thiago quem fizera a pergunta agora.

O fantasma virou seu corpo em direção ao do garoto, como se estivesse presa num eixo. Deu um sorriso minúsculo de canto de boca, e da cavidade onde ficavam os olhos, mais gotas de sangue caíram. A porta do banheiro até então aberta, num segundo fechou-se provocando um estrondo assustador. A lâmpada começou a piscar queimando logo em seguida, deixando o ambiente iluminado apenas pela luz da rua que entrava pelas pequenas janelas altas.

Thiago deu um passo para trás, enquanto Lara montava um sorriso um tanto psicopata. A Loira do Banheiro agora abria sua boca deixando escorrer um líquido gosmento e preto que atravessava sua roupa e caía no chão já inundado de água. Pôde-se ver aos poucos que de sua boca saíram pedaços pequenos do que parecia carne e lisos cabelos pretos.

- Já sabemos o que houve com a garota que desapareceu. Vou acabar logo com isso. Dhaaro, meu querido, veja e aprenda.

Lara desatou o feixe da pulseira, liberando o cordão com o pingente do seu pulso. Seus olhos junto do cronômetro brilhavam intensamente. O sorriso a pouco em seu rosto dava lugar agora a uma feição séria e determinada. Thiago deu alguns passos automáticos para trás, assustado, enquanto o fantasma virava novamente à garota.

- Você vai conhecer a luz. – Disse Lara, num tom severo.

Ao mesmo tempo em que a figura esbranquiçada erguia os braços em defesa, o pingente da garota se transformou numa lança de cabo verde escuro. Num segundo para o outro, a jovem estocou o fantasma no centro de seu peito, sem esforço algum ou contra-ataque, fazendo-o explodir em uma luz intensa.

Tão simples quanto apareceu, ela se foi. A lança voltou ao estado de pingente e junto ao cordão, foi amarrado novamente ao pulso de Lara. A garota num semblante calmo arrumava seu acessório e olhando para Thiago viu que tinha sido um choque para o ele.

- Você nunca tinha passado por esse tipo de situação, não é? – Com os braços na cintura como se acabasse um exercício diário.

- O que diabos aconteceu aqui? – Apavorado.

Lara bateu três vezes na porta de madeira do banheiro, fechou as torneiras e saiu deixando o garoto sozinho com um chão repleto de água e sangue. Ele saiu correndo a seguindo.

- Sua função é responsável por anunciar a morte aos felizardos que deixam esse mundo sujo. O que você não sabe ou não percebeu ainda é que você só lida com os humanos que vão para o paraíso.

Ele ia acompanhando o raciocínio, enquanto abria para os dois o guarda-chuva que levava em sua mochila. Lara continuou:

- Eu sou o anjo que cuida dos seres não tão bonzinhos. Entende? Aqueles que morreram e se recusaram a ir para o "andar de baixo", ficando aqui na terra e encontrando um lugar aleatório para habitar.