Miranda

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 A luz oscilante, no teto daquele largo corredor, proporcionava vislumbres das listras no chão. Eram cinco, em cores distintas, que identificavam o caminho até os locais mais importantes da clínica.

Os passos apressados e a respiração irregular vieram logo antes de Miranda abrir uma porta lateral. Seus pés a forçaram a se afastar do acesso às escadas e suas costas encontraram a parede oposta. O suor escorria pelo pescoço e umedecia a camisola. Seus dedos mantiveram a pressão sobre o bolso do fino roupão, produzindo o som metálico de um molho de chaves.

Seus pulmões hesitaram no que as luzes no fim do corredor se apagaram. Na escuridão, que seus olhos não conseguiam vencer, alguma coisa se quebrou.

Miranda colocou as mãos, trêmulas, em frente à boca, segurando um grito e, lentamente, se forçou para o corredor lateral. Seus dedos, no bolso do roupão, abraçaram um frasco de comprimidos.

Dividida entre girar a tampa do tubo plástico e desviar de uma caixa metálica que protegia um extintor de incêndio, Miranda tentou ignorar o tremor e abrir o frasco enquanto acelerava seus passos.

Não restava ninguém. Estava tudo vazio. Os quartos, os consultórios, as salas de café... Os colchonetes das macas ainda mostravam as marcas de pressão de alguém que esteve deitado recentemente. As cadeiras de rodas estavam viradas. Os suportes para as bolsas de soro e medicamentos rangeram com alguma brisa inexistente.

Os arranhões em seus antebraços coçavam. Ela se obrigava a não lembrar de como os havia sofrido. Mas, sua mente produziu um choque no que ela ouviu um telefone tocar. Estava distante. Provavelmente, na recepção da clínica.

Miranda estacou e apurou seus ouvidos para desvendar algo naquele silêncio tão intenso.

Suas pupilas dilataram, seu rosto empalideceu e seu coração bombeou o sangue da fuga. Uma mão escura, viscosa, surgiu na esquida do corredor de onde viera e se fixou na parede, a meio metro do chão. Abaixo dela, outra mão que pingava algo negro. Acima, outra. E mais outra. Uma delas cai no piso, espalhando um líquido espesso e logo desaparecendo nas sombras que avançavam.

Miranda, finalmente, conseguiu abrir o frasco de comprimidos e tomou dois. Ou três. Não tinha certeza. Estava no limiar de seu controle e não queria considerar a possibilidade de desmaiar ali. Não daquele jeito.

As mãos foram envolvidas pela escuridão. Apenas para que outras viessem mais à frente.

O teto estremeceu. A lâmpada do corredor oscilou e, com um estalo, rachou. Um dos painéis se ergueu e mãos negras chegaram à lâmpada, a abraçando e a manchando com aquela viscosidade. Outras mãos emergiram de outro painel e se espalharam ao redor. A lâmpada mergulhou naquelas sombras, produzindo som abafado de vidro quebrando.

Sentindo a proximidade da fronteira de sua sanidade, Miranda virou as costas para aquele terror e correu. As mãos estavam nos quartos também, e dentro das bolsas de medicamentos... e sob os assentos das cadeiras de rodas... e dentro dos colchonetes das macas.

No fim do corredor, atrás de Miranda, a escuridão era absoluta. As mãos se fixavam nas paredes, no teto, no chão, momentos antes das sombras e, então, outras mãos vinham, como se o sólido breu precisasse ser puxado.

Miranda ouviu a estrutura dos móveis ser forçada, lâmpadas quebrando e o corredor rachando.

Lutando contra o choro e as tomadas de fôlego, ela entrou em um banheiro, fechando a porta com o maior cuidado possível. As luzes acenderam automaticamente. Uma delas oscilou, mas permaneceu firme logo depois.

De um dos últimos cubículos, um homem saiu e se aproximou a pesados passos. Ela pensou ter perdido a consciência por um momento pois, em um piscar de olhos, ele estava à sua frente, a segurando pelos ombros.

MirandaWhere stories live. Discover now