Se você andar pelo Viaduto 9 de Julho, no número 193, vai encontrar uma
lanchonete com um meio círculo em cima da porta, nele um desenho vintage e um letreiro vermelho onde se lê Estadão - Bar & Lanches. Não é difícil de achar, o prédio é logo de esquina e pode ter certeza de que vai encontrar ali o melhor sanduíche de pernil da cidade. Fora o cardápio, o lugar não tem muita coisa mais de extraordinária, a não ser o que já é marca registrada da cidade: seus frequentadores.
No fim de semana pela manhã, se estiver pelo centro e passar pelo viaduto, vai encontrar uma concentração de jovens com a cara destruída pelo cansaço, ressaca e outras coisas, que pararam para comer alguma coisa antes de enfrentar o transporte lotado ou o trânsito caótico.
Mas apesar do burburinho, os frequentadores são civilizados, carismáticos e tranquilos...
— Vocês vão desembuchar por bem ou vou precisar enfiar minha mão na cara de cada uma?
— Dani, não queria falar nada não, mas... Gonçalo, me dá uma ajuda?
Bom, existe exceção, né?
O que me leva a lanchonete Estadão, em um dia qualquer de um ano que não importa, já que independente da geração, os 4 amigos que escolhi para essa trama encontrei largados no balcão de mármore, perto da estufa de salgados. Não sei porque, dos muitos loucos que passam pela nossa vida, tem sempre um ou outro que insiste em grudar na memória e como um aspirante a escritor, saio por aí procurando histórias que muitos deixam passar despercebidas por não se importarem ou por estarem simplesmente vivendo.
O grupo - até aquele momento formado por Gonçalo (Mabele), Ivan (Viking) e Daniel (Winits) - independente da balada ao qual fosse, acabava tomando café da manhã
na lanchonete Estadão, antes de pegarem o carro de Gonçalo e seguirem para casa.
Sentavam-se ao balcão, faziam seus pedidos e preenchiam os buracos da memória um do outro, já que estavam sempre acabados quando atravessavam a porta do lugar. Era
uma tradição antiga e fora Ivan, nenhum outro no grupo se importava em parar ali para comer um sanduíche de pernil e tomar um café. Mas Ivan era a biscoiteira do grupo,
reclamaria até se fossem a alguma das padarias chiques que recomendava.
— A titia vai mesmo precisar começar a contagem, crianças? - Daniel abaixou os óculos escuros, fuzilando os amigos com os olhos vermelhos, impaciente.— Anda, passa logo essa merda pra ele ver, Gonçalo...
— Acho melhor prepará-lo psicologicamente para o baque - Gonçalo riu, tirando o celular do alcance de Ivan.
— INFERNO, eu NÃO TÔ PODENDO com suas gracinhas nesse momento,
Gonçalo Mendes...
— Tudo bem, vou prepará-lo para o baque, já que o nosso Viking não faz
questão. Lembra daquele embuste na fila, aquela barbie que estava tretando com o segurança?
— Agiliza, please - Daniel rodou o pulso para apressar o assunto.
— Três cafés, por favor? - Gonçalo se sentou, recuperando o fôlego, segurando com força o celular contra o balcão. - Certo. Você se lembra?
Com um esforço que custou quase metade de seu cérebro e mais um gemido, Daniel olhou para o alto, repassando a cena da chegada.
Se lembrava que queriam ver se havia mesmo a "triagem" na porta da balada, uma das clássicas da cidade, conhecidas pelas bichas nojentas que a frequentavam. A menos de dez passos da fila jogaram a garrafa de vodca no lixo, um desperdício que
gerou um motivo a mais para Ivan quase fazer sua barba ruiva na mão.
Foi quando viram a barbie toda trabalhada no anabolizante, linda como um sonho não fosse alguns detalhes.
— Aquela massa de músculos com cérebro mínimo, camisa pólo e calça apertada ao "estilo tomara que me fodam" versão sertaneja?
— Não me lembro de tantos detalhes assim, mas é esse mesmo.
— Nunca ouvir hablar – Daniel aproveitou a chegada dos cafés para tentar esquecer essa parte da noite.
— Dani, sinto informar que além de ouvi-lo falar, você sentiu te tocar, beijar, amassar e pelo que eu imagino, outras cositas más... - Ivan prendeu o riso, tentando se fazer de sério.
O café fez um salto ornamental da boca de Daniel até a camisa do atendente do outro lado enquanto ele se virava para os amigos, chocado. Não se lembrava de muita coisa depois de quase entrar em coma alcoólico em dado momento da noite, mas tinha certeza de que não havia passado de uns beijos com a barbie.
— Me dá essa porra aqui!
Tirando os óculos escuros e quase arrancando os dedos de Gonçalo ao apanhar o celular de sua mão, se deparou com 4 fotos onde uma massa de corpos, roupas e um braço erguido com uma lata de cerveja se espremia num canto. Ainda demorou alguns
segundos para entender melhor as imagens em luzes coloridas, mas logo distinguiu pernas magrelas ao redor de uma cintura grossa, apontando um par de saltos que ele sabia ser azul cobalto. Uma de suas mãos puxavam a camisa do boy, revelando uma
tatuagem saindo das calças dele, na altura da cintura.
— Ainda bem que só a tatuagem saiu da calça dele pra posar pra foto – Ivan, cínico, tentou consolar o amigo.
— POR QUE VOCÊS NÃO ME SALVARAM, DESGRAÇAAS?? AINDA
REGISTRARAM MINHA HUMILHAÇÃO, ACABANDO COM A MINHA VIDAA!!
O grito foi tão alto que a lanchonete em peso olhou para os três, a maior parte reclamando do escândalo às 7 da manhã.
— Te salvar de uns amassos com um boy? Você está louca, querida? Anda,
devolve meu celular - Gonçalo estendeu a mão, pegando o aparelho de volta.
Ao ver que Daniel estava um pouco mais exagerado que o normal, Ivan passou um braço em volta de seus ombros, falando com suavidade:
— Dani, o cara é um escroto, mas é gatinho e pelo jeito que estavam ali na parede, deve ter sido muito bom. O que tem de errado nisso? Logo você vai ficar de puritanismo?
— Dandy darling, sobre ser puritana: nunca serei. E o que tem de errado é que esse tipinho é BFF do meu ex.
— Só atualiza qual deles, que a senhora já passou o rodo na torcida do corinthians inteira.
— Puta por puta somos duas, querida Mabele/Gonçalo, e só tem UM defunto que não classifico como embuste, só como "ex".
Gonçalo e Ivan, que haviam voltado para seus sanduíches de pernil, congelaram com o lanche a meio caminho da boca ao perceberem de quem o amigo estava falando.
— O Tales? Não brinca! - disseram em uníssono.
— Caralho, caralho, fodeu, fodeu! Agora que nosso plano de juntar você e Tales vai por água abaixo - Gonçalo disse sem acreditar.
— Por isso você surtou com as piadinhas dele na porta. Por que não pediu socorro?
— Porque eu pretendia ignorá-lo, não imaginava que eu acabaria fazendo a barbie no fim da noite! E ele nem faz o meu tipo!
— Para de show, Dan, o cara é o tipo de todo mundo. Quem não sonha com um barbudinho musculoso de pegada boa?
— E pelo volume que vi quando você finalmente tirou sua língua da garganta dele e foram pro bar, tudo isso que Gonçalo disse e uma mala delicia.
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4 Feios (versão Wattpad)
RomanceO Squad Dynamite, formado por Gonçalo, Daniel e Ivan, é um grupo de amigos completamente diferentes, com uma única coisa em comum: só ficam com caras que estejam dentro dos padrões convencionais de beleza. Isso até Ivan, depois de ver que os três só...