Na cidade grande muitas coisas podem acontecer. Não digo cidade grande como uma grande capital metropolitana. Mas também não é uma pequena cidade onde todo mundo se conhece, e se um crime acontece, já se sabe quem cometeu, em que contexto, quem é a vítima e todo mundo sabia que a família não se dava. Ela fica ali, entre essas duas. Pequena o suficiente para ninguém de fora notar, mas grande o suficiente para acontecerem coisas ruins e não ganhar mais que uma citação no noticiário, uns quatro ou cinco segundos, se tiver sorte de ser lembrada.Assim era aquela cidade. E era nela que eu estava assumindo uma missão à parte na minha vida. Parecia uma eterna crise dos vinte para mim, tipo, desde que entrei na faculdade, estava em um eterno conflito em minha mente. Se você, caro leitor, é adulto, sabe muito bem disso. Quando você faz dezoito anos, não existe coach para ser adulto e você tem que descobrir o que é para fazer sozinho. Mesmo quando você ainda acorda cedo para assistir os mesmos desenhos de quando tinha onze anos na televisão. Apesar de que agora você entende as piadas pesadas que não entendeu na infância. E por Deus, como você queria poder não entender.
Terminar a faculdade foi um sacrifício. E a formatura não foi menos. Na verdade, me deu um nervosismo terrível nos dias anteriores. Era como se a sociedade te desse uma missão para você e te colocasse, com o diploma simbolizando, uma confiança que nem você tem em você mesmo. Pois é, os cinco anos de sofrimento fazem muito pela sua sabedoria, e o diploma pelo ego, mas a auto estima na real ninguém resolve. Aí o problema é seu, seu trouxa. É assim que eu me sentia.
Por falar em trouxa, passei em meu primeiro concurso. Agora, como todo adulto, eu ia ser feito de trouxa pelo nosso sistema de governo capitalista e desigual como todos são, mas eu era um trouxa melhor que os outros: Era um trouxa concursado! Um trouxa que ganharia um pouco melhor que uma maioria porque conseguiu ter boa formação e era funcionário público, o que me garantia uma carreira estável. O que, para um trouxa do sistema, era o mais próximo a mão que se podia ter de um condições de trabalho e um salário digno e condizente com o meu trabalho. Mas o que me fazia infinitamente mais trouxa, é que em um sistema como esse, eu escolhi logo a profissão mais valorizada pelo sistema (é legal quando a pessoa que tem dificuldade de reconhecer o sarcasmo alheio também é sarcástica): Professor de Educação Infantil.
Sim, é sério. Imaginem vocês o seguinte: Quando eu nasci, contam meus pais que eu não queria sair da barriga da minha mãe e puxei uma veia dela, o que quase a matou. Uma veia ligada ao cérebro. Para mantê-la viva, foi necessária uma cirurgia super invasiva para substituir a veia em questão por uma "postiça". Sim, quase matei minha mãe quando vim a esse mundo. Você percebe que está marcado para ser um b#sta quando já chega no mundo fazendo m#rda. E ainda por cima cresce e vira professor em um país como esse. Haja amor familiar. Mas veja bem, nossa cidade é tão invisível que não tem chance de ser bombardeada. Comemoremos as pequenas coisas.
Mas, a última coisa que você imagina é que pode haver um único grãozinho de areia na praia que talvez torne as coisas um pouco diferentes para você. Talvez mude um pouco seu mundo. Certo, quando estamos sozinhos no túnel escuro, acho que sempre superestimamos o tamanho da luz que a gente precisa. E por um breve momento foi um pequeno e raro olhar que me fez sair da solitária prisão em que me encontrava. E quem sabe, só quem sabe, encontrar alguém.
Continua.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Busca por Amor
Storie d'amoreDe um lado, um cara totalmente sem sorte e sem o mínimo de autoestima recém saído da faculdade tentando iniciar sua vida profissional em uma escola do interior do estado. Do outro, um garotinho problemático que precisa desesperadamente do amor de um...