Parabéns para você, nessa data querida. Muitas felicidades, muitos anos de vida!
Finalmente! Pensou Bianca. Estava tão feliz que sentia uma espécie de frio na barriga, mas não era aquele friozinho de ansiedade ou nervosismo, era emoção e muita felicidade. Estava esperando por aquele momento há mais de seis meses. Ela finalmente completara seus nove anos, mas não era por isso que estava tão animada, mas sim pelo que viria a seguir.
- Você comprou papai? Comprou? – pulou e gritou em cima do pai, implorando pelo tão esperado presente.
Bianca estava esperando o melhor presente de todos. Uma linda boneca de luxo, que cantava e falava frases em francês. Era a melhor boneca de todas, ela tinha um metro de altura e a textura de sua pele era tão macia e real. Possuía cabelos ruivos e lisos e usava um lindo vestido verde.
- Esse é o melhor presente do mundo, obrigado papai!
Ela beijou e abraçou o pai com tanta força que quase o sufocou. Bianca abriu a caixa com veracidade, não via a hora de tirá-la de dentro do embrulho e usufruir de sua diversão. As outras crianças olhavam para Bianca e seu novo brinquedo intrigadas, jamais viram tamanha alegria por causa de uma boneca, porém para outras crianças era compreensível, algumas delas a invejavam, era o sonho de consumo para qualquer garota louca por bonecas.
Alguns passos dali estavam os pais, distraídos uns com os outros, inclusive o pai da aniversariante, que o olhava para a filha com ternura e satisfação.
- Ela adorou o presente – disse uma mulher se aproximando do rapaz.
- Oi Lúcia, não sabia que tinha vindo.
- Eu trouxe a Ritinha para brincar um pouco, ela se sente tão sozinha. Eu tenho andado meio preocupada com ela, ela age de um jeito esquisito às vezes.
- Esquisito como?
- Não sei, às vezes ela olha para algum lugar vazio e fica olhando como se tivesse vendo algo. Um dia peguei ela conversando sozinha.
- Crianças dessa idade costumam ter amigos imaginários, principalmente quando elas se sentem sozinhas, não precisa temer.
- Eu sei, é que…
- Não se preocupe – interrompeu, – quando a minha esposa morreu, Bianca passou algum tempo agindo de forma estranha, mas porque ela se sentia sozinha. Depois que comecei a passar mais tempo com ela, percebi uma melhora em seu comportamento. Você deve apoiar e sua filha e dar muita atenção a ela.
- Você é um homem e tanto.
Carlos olhou para a mulher, ficou pouco confuso, não sabia se aquilo se tratava de uma cantada em uma hora totalmente indevida, ou se passava de um ingênuo elogio. De qualquer maneira resolveu não considerar.
A noite passou muito rápido. Às dez a festa já havia acabado. Bianca se despedira de todos, estava ansiosa para brincar melhor com sua boneca, mal aproveitara direito, as meninas ficavam pegando para ver e não dera tempo de ela usufruir de seu próprio presente. Mas enfim, estavam a sós.
- Preciso de um nome para você, mas qual? – não houve resposta, embora a boneca não tirasse os olhos da menina.
- Que tal Madame Cherrie? Aliás, você é francesa, né?
A boneca continuou em um mudo absoluto.
Bianca toucou em seu braço e disse:
- Madame Cherrie!
Então houve um retorno:
- Salut, mon nom est Madame Cherrie!
Bianca soltou uma enorme gargalhada. A boneca tinha reconhecimento de voz e era possível cadastrar informações em seu banco de dados para que ela usasse como respostas e reaproveitasse em outras frases. Sem dúvida era tecnologia de ponta.
A porta se abriu.
- Filha ainda está acordada? Vai dormir, amanhã você brinca mais.
- Tudo bem papai.
Bianca pegou Madame Cherrie e colocou cuidadosamente ao seu lado na cama.
- Vai dormir com a boneca?
- O nome dela é Madame Cherrie e ela quer dormir aqui também.
Carlos fez uma cara estranha, mas não contrariou a filha, sabia que desde a morte de sua mãe a pobre garota passara a se isolar em um mundo imaginário. Ele não queria que a filha virasse uma dessas doidas que fala com brinquedos, mas no momento era mais seguro, pelo menos era uma forma de impedir que a filha sofresse mais pela falta da mãe. Talvez essa Madame Cherrie fizesse mesmo bem para ela. Pensou.
Não podia estar mais errado.