Ela estava em pé diante do lago. Observou a lua refletida nas águas. Lago da Lua como era chamado pelos habitantes da aldeia mais próxima. A mulher sentou-se a beira do lago, tocou a água com os dedos. Em seguida deitou-se, fitou as estrelas. A luz da lua também banhava seu corpo, a pele negra, os olhos negros como a noite. Ela aguardava alguém. O homem o pousou sutilmente em uma rocha a sua frente. As penas de suas asas se desfizeram, produzindo centelhas douradas. Tinha longos cabelos grisalhos, embora sua aparência fosse jovem. Os olhos eram azuis como o céu.

- Olá, Ébano. – Disse o homem, sorrindo.

- Olá, Marfim. – Respondeu a mulher, retribuindo o sorriso.

Marfim ajoelhou-se. Curvou o corpo sobre Ébano e a beijou docemente. Tocou-lhe o rosto e o acariciou.

- Eu te amo. – Disseram em uníssono, enquanto afastavam os lábios um do outro.

Os amantes se entreolharam em silêncio e se beijaram mais uma vez. Marfim deitou-se sobre Ébano, e os dois fizeram amor à margem do lago, sob a luz da lua. Não havia tempo a perder os dois só encontravam-se a cada 10 anos. Era o seu castigo. O castigo por sua transgressão. Marfim era um anjo. Ébano era a princesa de um império que agora jaz nas areias do tempo. O anjo a conhecera em uma visita ao mundo dos homens e se apaixonara por ela, Marfim se declarou para a princesa, que se apaixonou imediatamente pelo celeste. Ébano se entregou a Marfim. A relação, contudo, não durou. O Criador, descontente com o anjo decidiu punir o casal. Ébano jamais aproveitaria os passeios pelos jardins do palácio pela manhã e os seus súditos não a veriam mais cantar da varanda de seu quarto durante as tardes novamente. Durante o dia ela simplesmente não existiria. Só reaparecia à noite. A escura, fria e silenciosa noite. E assim viveria pela eternidade. Do anjo foram retiradas as asas. E lhe foi proibido retornar ao Céu. O Criador lhe designou como morada a lua. Mantendo-o próximo da sua amada, mas ainda assim distante. Como se não fosse o bastante, foi lhe tomado ainda o seu nome angelical, que jamais seria pronunciado novamente, no Céu ou na Terra.

O anjo caiu em profunda tristeza. Sentia-se culpado, não por deixar o Criador descontente, por mais blasfemo que aquilo soasse. Ébano deveria estar sofrendo demais e aquilo era culpa sua, pensou. O que havia de errado em um anjo amar uma mulher? Era a pergunta que fazia a si mesmo. Duzentos anos se passaram. E a tristeza do anjo só aumentara. O Criador, por mais rígido que fosse, era bondoso. Ouviu as súplicas de seu filho e decidiu-se.

- Filho meu, me parte o coração vê-lo sofrer. Você errou, mas eu estendo a ti o meu perdão. – Disse o Criador. Sua voz ecoou pelo o universo. E anunciou: - Eis a minha decisão! Suas asas lhe serão devolvidas e lhe permitirei ver novamente sua amada. Mas só poderá vê-la uma vez a cada dez anos, na primeira noite do ano e só. – E não disse mais nada. Não precisava.

Assim que o esperado dia – ou melhor, a esperada noite – chegou, o anjo desceu à Terra. Ébano não pôde conter a felicidade ao rever o amado. Os dois deram um longo beijo à luz da lua. Os dois conversaram, sorriram, e fizeram amor pela primeira vez em duzentos anos. Quando a noite ia chegando ao fim e o anjo se preparava para partir, Ébano lhe perguntou:

- E agora que não tens mais nome, como devo chama-lo, meu amado?

- Não sei. – Respondeu o anjo e perguntou: - O que sugere?

A mulher pensou um pouco e respondeu:

- Marfim!

- Pois bem, minha amada. Marfim será meu novo nome! – E já materializando as asas disse: - Vejo você novamente, daqui a dez anos!

- Daqui a dez anos, então. – Concordou.

- Eu te amo. – Disse o anjo e partiu. Rápido feito um raio.

Nas nuvens, seus aguçados ouvidos ouviram. "Eu também te amo".

Ébano e MarfimOnde histórias criam vida. Descubra agora