A nova rua YN-15

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   Repentinamente abri os olhos. O que me acordara foi o habitual barulho do jornal batendo na janela da minha casa. Isso significavam duas coisas: eu infelizmente estava vivo e eram 6h30min. Hora de levantar.

   Meu olhar vazio espelhava o vazio da minha alma. Os olhos são espelho da alma. Quando eu me olhei no espelho vi que eu estava deplorável. Queria morrer, mas não tinha forças nem pra me matar. Escovei os dentes, lavei meu rosto e sair buscar o jornal. Me abaixei e apanhei o noticiário impresso. Na primeira capa dizia: “Corinthians vence e avança na Copa Libertadores”. Sorriso satisfeito. Suspirei e olhei ao meu redor. Era o primeiro dia de céu azul desde o falecimento da minha filha. O sol já despontava no leste e de casa tinha uma bela vista para a praia, mesmo que minha rua ficasse uns dois quarteirões para trás da avenida principal. Respirei a suave brisa. Talvez ainda valesse a pena viver. Por um minuto me lembrei que talvez Deus exista... Quando me voltei para entrar em casa passei os olhos pela placa que indicava o nome de minha rua. Travei. Tornei a olhar a placa e me assombrei ao notar a mudança de nome: de rua dos Colibris para YN-15. Franzi o cenho e entrei em casa. Fui fazer café. Coloquei a água no fogo e o pó no filtro. Sentei e comecei a devorar o jornal em leitura. Busquei por todos os cantos do jornal o anúncio da prefeitura sobre o nome da rua. Nada. Estranhei a mudança sem aviso prévio. Mas era só a mudança do nome de uma rua. Busquei me convencer de que era tudo paranóia quando notei que estava me desesperando por isso. Talvez a prefeitura fosse anunciar mais tarde.

   Percebi que a água tinha fervido e fui coar o café. Enquanto derramava a água quente sobre o pó ouvi um barulho na porta que levava ao quintal nos fundos da casa. Me assustei. Vagarosamente destranquei a porta e abri. Quando olhei para baixo me lembrei que havia esquecido o Tibirco, cachorro de minha filha. Me abaixei para agradá-lo e imediatamente o trouxe para dentro de casa.

   -Você deve estar com fome, não é, Tibirco? - ri sozinho com o nome dele.

   Dei ração a Tibirco e terminei o meu café. Comemos juntos. O pão de dois dias atrás ainda não estava duro e foi tudo o que eu comi, pois não tinha o mínimo de forças para sair e comprar mais. Quando o cachorro terminou de comer, vi em sua coleira algo preso. Notei que era uma capa de DVD dessas brancas e de papel com algo anotado. Nele havia escrito: “Yara Noblat - 15 anos”. Yara Noblat era o nome de minha filha e 15 anos era sua idade. Imaginei que pudessem ser as fotos do baile de debutante dela. Coloquei o DVD em meu notebook e esperei que abrisse o arquivo. Foi desesperador quando notei que na verdade, era um compacto de fotos dela já morta. Com a boca entreaberta pelo choque, senti uma lágrima pesada escorrer pelo meu rosto. Entrei em desespero e acionei a polícia.

   -Polícia Militar emergência.

   -Socorro! - gritei ao telefone - Me mandaram um DVD com um compacto de fotos do assassinato da minha própria filha. - disse já chorando.

   -Calma! Eu vou mandar uma viatura aí, tá? Qual o nome do senhor?

   -É César. César Noblat.

   -Qual o endereço. César?

   -Rua dos Colibris, número 1103.

   -César, já estou acionando uma viatura. Conte com a Polícia Militar! - encerrou

   -Obrigado! - agradeci.

   Uns dez ou doze minutos depois, percebi que um carro com giroflex passava insistentemente pela minha casa e fazia voltas pelos arredores. Decidi sair e chamá-los. Saí levando meu notebook. Fiz sinal pra viatura e eles me atenderam.

   -Oi, fui eu que solicitei. - disse.

   -Senhor, viemos atender a um chamado na rua dos Colibris, essa se chama YN-15. - disse o PM.

   -Então, isso aí apareceu aí hoje! Eu não sei quem fez isso. Sou eu sim que chamei e por isso. - virei o notebook para o PM, que se mostrou sério e surpreso com as imagens.

   -O que é isso? - perguntou o PM que estava no banco do passageiro.

   -São fotos da minha filha assassinada. Alguém me mandou isso nisso. - disse me referindo ao plástico que envolvia o DVD. Lendo o que havia sido escrito, o PM exclamou.

   -Olha, senhor, pode ser só coincidência, mas a placa aí que, segundo o senhor apareceu de repente, tem as iniciais da filha do senhor, aqui ó! “Y” de Yara, “N” de Noblat e 15 que era a idade dela.

   Eu ainda não havia parado para pensar daquele ponto, mas o policial tinha razão. E eu, agora, tinha certeza que meu desespero pela repentina mudança de nome da rua, não era à toa.

A Sombria História da Rua YN-15Onde histórias criam vida. Descubra agora