III - A Escolha

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"Terei que correr

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"Terei que correr

o sagrado risco do acaso.

E substituirei o destino pela probabilidade."

Clarisse Lispector


A ESCOLHA


As coisas acontecem de formas diferentes para cada um e isso implica a realidade que por sua vez, sim é diferente para todos. Para mim, já havia ultrapassado os limites do aceitável para uma realidade surreal que faz sentido. Quem em juízo perfeito se diria sóbrio quanto à saúde mental diante de tudo o que me acontecia? Eu não o poderia, tanto que me diagnostiquei com o absurdo da sanidade.

O culpado por todo aquele desespero da floresta era um jovem que aparentemente entrava na puberdade. Seus cabelos ruivos e descuidados eram poucos, mas no cumprimento do ombro, combinando com seus primeiros sinais de espinhas e as poucas sardas que trazia. Visivelmente mais jovem que eu, era franzino e magricelo, os olhos castanhos claros, quase verdes, fundos no rosto como se há muito não dormisse.

Ele olhava para mim com um sorriso - de lábios cerrados e escuros - misterioso e avaliativo, certificando-se de seu achado. Com o braço à mostra devido à capa longa verde-musgo e sem mangas, estendia sua mão para ajudar-me a levantar. Seu olhar penetrante, querendo descobrir os segredos guardados em minha alma. Segredos estes que eu mesma desconhecia.

Embora seu gesto fosse de generosidade e cavalheirismo, achei melhor evitar tais contatos físicos. Minhas últimas experiências neste lugar não haviam sido muito agradáveis, e descobrir que uma onça-pintada, a fera feroz amazônica fugiu amedrontada, naquele estado por causa daquele garoto era uma piada, no entanto as coisas pareceram fazer mais sentido depois de repensar um pouco.

O único ser que sobrepunha qualquer outro na face da terra eramos nós: os humanos. Dominamos os mares, as montanhas, o céu, a terra. Destruímos e reconstruímos. Nós controlamos quase todas as coisas, mas aquele garoto pareceu-me incapaz de fazer qualquer coisa. Parecia mais uma criança perdida e embora meu coração compadecesse por ele, minha razão pelos últimos acontecimentos retesou-me.

Acreditar em tudo á minha volta era algo quase insaciável, como beber sentindo uma extrema sede, encher o estômago e ainda permanecer sedento. O meu mundo não estava mais mudando, já não era mais a mesma terra. A realidade humana exigia um padrão do qual meu existir não se enquadrava mais, já não era mais o mesmo embora ainda sendo humana; eu era parte deste mundo. Aconchegante ou assustador eu deveria acostumar-me com ele agora.

Desde o meu sequestro relâmpago, tudo a minha volta tornou-se novo para mim. Eu estava sozinha em um lugar que tudo se revelava. A cada passo um novo desvendar, mas o perigo tinha existido muito antes dos meus poucos passos ate aqui. Embora nada receptivo, este mundo despertara minha curiosidade e eu estava decidida a descobrir mais.

Herdeira do Trono - A Rainha das Trevas BrancasOnde histórias criam vida. Descubra agora