Subo as escadas devagar sabendo que preciso me preparar mentalmente. Pobre Hope, tão nova, tão inocente, tanta vida pela frente para viver sem a mãe. Ela já perdeu tanto sendo tão novinha, e agora a vida vem e arranca seu chão mais uma vez. É tão assustador saber que por mais que tentemos protegê-los de tudo, mantê-los longe de todos os perigos, ainda assim em algum momento eles vão sofrer. É impossível manter os perigos a distancia. É impossível manter o sofrimento longe de suas vidas. O sobrenatural está intrinsicamente ligado ao sofrimento. Meu coração está pequeno de dó, e de empatia. Perder minha mãe para uma doença não foi fácil, mas deve ser infinitamente mais difícil saber que sua mãe poderia ter vivido para sempre e alguém simplesmente a tirou de você a força. Se ela tiver um décimo da determinação e gênio dos pais em breve teremos problemas. Ela vai querer vingança e isso pode ser o primeiro passo para um longo e obscuro caminho. Hope é demasiado poderosa para ser movida a ódio e vingança. Ela não atingiu nem um terço do seu potencial ainda, mas quando isso acontecer, ela será incomparável.Sinto o cheiro de álcool antes mesmo de abrir a porta do quarto. E já entro pronta pra fazer um escândalo, gesticulando com as mãos e expressões de desgosto estampadas na cara.
- É sério isso Klaus? - digo apontando para o quarto, todo destruído à minha volta, e parando a cabeça na direção das garrafas vazias, algumas quebradas no chão.
- Você é impossível. - decreto, caminhando duro em sua direção e arrancando a garrafa de sua mão. Dou um gole longo fazendo uma careta para a amargues em minha boca e volto a focar num Klaus nada contente e nem um pouco impressionado com a minha atitude.
- Eu estou nervosa, me deixa. - respondo antes mesmo dele tecer algum comentário, e ele descarta a resposta com as mãos sem vontade de argumentar.
- Você precisa se recompor, a sua filha precisa de você! Ela nunca precisou tanto de você como agora. Os próximos dias serão cruciais para ela. Você precisa mostrar que está com ela, agora e para sempre. Que ela não está sozinha, que é normal sentir medo, ódio, raiva, mas que ela não pode se deixar vencer pelos sentimentos ruins, se ela entrar numa de vingança, ela vai se destruir no caminho, e se você não fizer alguma coisa, você vai ter permitido que isso aconteça, Klaus. - digo as ultimas palavras quase gritando exasperada com a cara impávida e serena que ele exibe, como se eu fosse um inseto barulhento que ele não quer se dar ao trabalho de enxotar.
Começo a arrumar a bagunça a minha volta por puro reflexo, quando tudo está um caos, organizar o ambiente me faz sentir em controle da situação, por mais ridículo que seja. Junto os cacos de vidro, rapidamente, e as coisas quebradas e as amarro num lençol fazendo uma trouxa sem olhar na direção dele. Estava tudo tão bem hoje cedo, falamos do passado, ficou mais do que claro que o que nos atraia nos passado ainda está lá, eu sempre me perguntei se era só fogo de palha, e sempre tive a esperança de que não fosse, de que ele estivesse de fato, de alguma forma, ainda me esperando após esses anos todos. E ver que era verdade, que ele realmente me notou e me guardou dentre todas as pessoas que passam pelos seus mais de mil anos de idade me comoveu de um jeito indescritível. E agora, depois de um momento de luz, vem de novo a escuridão levando tudo pela frente, expulsando do nosso caminho o que era bom e confortável e levando para longe como a memória de um sonho intenso ao acordar. Mas dessa vez não vou permitir que a vida fuja das minhas rédeas de novo.
- Klaus. - chamo de novo. Agora tenho sua atenção. Ele está com raiva, dá pra ver nos seus olhos, as pupilas contraídas de uma forma tão gritante que seu olhar é todo cor. Um azul vivo e escuro, capaz de congelar o inferno.
Não me deixo intimidar e me aproximo dele, tocando sua mão de um jeito firme, ele treme sob o contato, claramente, tendo dificuldades em se conter, e não querendo explodir para cima de mim. Mas algumas coisas nunca mudam, e é quando ele se sente mais vulnerável que ele ataca as pessoas que gosta. Ele segura o meus braços com força, levantando e me puxando pra cima e dizendo baixa e venenosamente, como se eu fosse de Marte e não entendesse a língua completamente: