Escrevo cada vez que chove, porque minha alma tem goteiras que não conseguem absorver as tristezas que caem sobre mim. Cada palavra é uma bacia que me impede de escorregar no chão molhado.
- Por que não troca, então, por uma alma nova e sem buracos?
- Porque é melhor uma alma com goteiras do que uma alma triste.
- Só cuidado pras palavras não te impedirem de agir, com tanta bacia pode ficar difícil caminhar...
- As palavras não me impedem de caminhar, ao contrário: elas que me impulsionam. E quando ficar difícil... É só parar para observar a paisagem.
- E escrever sobre ela.
- E, definitivamente, escrever sobre ela!
- Você é viciada em procurar beleza em tudo!
- E isso é feio?
- Não para você.
- É que eu sempre quis viver num poema...
- É por isso que você quer ser poeta?
- É por isso que eu quero ser poesia.
- E esse poema... Onde você quer viver... Tem espaço para mais alguém?
- Eu não sei se quem já se adaptou totalmente ao mundo real sobreviveria...
- Então só tem espaço para os deslocados como você?
- Eu não sei.
- Como não sabe?
- Não sei se quem vai escrever o tal poema sou eu.
- E se for você?
- Então a resposta é sim.
(...)
- Você vai escrever sobre isso, não é?
- Talvez.