No Salão dos Sete Sábios, no Palácio administrativo da cidade-escola, as portas se abriram e três cavaleiros de ferro com as espadas empunhadas junto ao peito – um de cada lado e outro logo atrás – arrastaram-me pelos braços por uma plateia de professores, cuidadores e de uma dezena de citadinos que eu tinha a impressão de conhecer das ruas de Luminous ou do Anfiteatro de Epidaurus. No rosto, um capuz escuro surrado com pequenos furos impedia-me de ver com nitidez a expressão de espanto e decepção dos curiosos. De cabeça baixa, só enxergava minhas mãos e pés acorrentados andando desengonçado aos empurrões sobre o tapete vermelho em direção às sete colunas jônicas em meia-lua com os tronos dos sete sábios entre elas. Da última vez que pisei ali não fiz algo muito nobre. Eu... vasculhei os sentimentos dos professores. Sei que é horrível. É um dom que não desejo para ninguém. Mas o motivo era bem justo: estava à procura de um traidor e, por ironia, agora eu estava no banco dos réus. Na verdade, não havia banco nenhum. Eu estava de pé e me sentia tonto, dolorido, com o rosto machucado, sem forças como se não tivesse comido nem bebido algo há vários dias. Como se minha aura de poder nem existisse. A certeza que pairava em minha mente era uma só e parecia estampada em uma faixa reluzente: havia roubado o livro do Quinto Poder da Câmara de Biblion e o entregara ao maldito Lorde Wolf em troca da liberdade de minha mãe. Uma atitude nada inteligente? Eu sei. Mas o que faria se esta fosse a única chance de conhecer e salvar sua mãe? Roubar um livro procurado há quase 300 anos capaz de lhe fazer dominar o mundo não é nada de que alguém possa se orgulhar. Claro que eu pretendia devolvê-lo, mas o plano foi por água abaixo.
À retirada do capuz, seguiu a sentença de um pergaminho estendido pronunciada por Stanislaw, o sorridente filósofo-rei e diretor da nossa cidade-escola, Luminous. Pela primeira vez, ele parecia tão sério que nem teve coragem de me olhar nos olhos. Quase todos os professores também baixaram a cabeça sem acreditar que estavam ouvindo minha condenação: Trajanus, Guinnevere, Navarrus, Julius, Theotônio, Audifax, Magnólia, Wallace... Estavam todos lá bem ao lado dele. A decepção estampada em seus olhos era a de que tinham falhado como educadores; exceto, Victorius, claro. A cabeça erguida, os olhos altivos e a boca torcida do velho talesiano só podiam afirmar: justiça está sendo feita e esse garoto merece pena de morte! Ou coisa pior: deve ser jogado no poço sem fundo do porto-portas da Área Subterrânea!
Por que ele me odeia tanto? Não faço a menor ideia.
Enquanto ouvia a sentença, ainda arrisquei um olhar discreto para os lados antes de enfiarem de novo o capuz na minha cabeça, mas não encontrei os meus antigos amigos do Liceu (ou ex-amigos!), nem Nathan, o cuidador da floresta, nem Ben, o monge que me salvou até dos meus pesadelos com lobos, cavernas escuras e esquartejamento. Talvez não fosse permitido aos lumens da Torre Menor ouvir a sentença. E até achei melhor Will (meu melhor amigo e lumen-guia) e Katherine (a garota dos meus sonhos) não estarem ali. Como poderia encará-los sabendo que fizera um mal tão grande à Acrópole? Luminous seria invadida pelos dragões europeus ou cairia nas mãos de um traidor e o Mundo das Nações se tornaria cada vez mais um território sophista.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Emílio e os Lumens: o Quinto Poder (Completo)
Fantasía#2 no ranking de mundos-paralelos (fantasia) em 28/05/18; #15 em dragões (fantasia) em 23/05/18. 2° Lugar Concurso Pena Dourada (Obra Completa para Degustação). Emílio D'Ara, estudante de 13 anos do Liceu, conhece um misterioso professor de filosof...