Empurrões ao abismo

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Para alguns, a morte é o fim dos trilhos, um túnel escuro mas, Karin, enxergava uma luz no fim desse túnel. Se ela visse uma estrela cadente no céu, já estava bem ciente do que iria pedir "eu quero morrer, por favor" só que, ela nunca teve essa "sorte". Mas ela não pediria isso à toa, ela tem seus motivos (e são vários). A vida dela é um completo sofrimento, todo dia é um inferno para ela, e ela tem que aguentá-los, mas nem ela sabe se vai conseguir.
Desde a infância, a pequena e franzina Karin Marino, nunca se encaixou na escola, sempre ficava de fora em tudo, e acabou tornando-se "a excluída". Ela foi crescendo, e tudo isso só foi piorando, ela começou a ser zoada por um bando de meninas esnobes, que pegavam no pé dela, e humilhavam sempre que podiam, eram as "TOPS" (Thaís, Ohanna, Poliana e Suellen). Karin, conseguia aguentar tudo isso por causa de seu pai, ele sempre ajudava, motivava e cuidava dela. Só que, o destino parecia não querer seu bem, e por isso, deu um jeito de separá-los; Karin, perdeu seu pai em um assalto, ela viu tudo, ela estava bem ao lado dele em seus últimos minutos, ela não teve nem tempo de dar adeus ao seu pai; antes que a bala alojada em seu peito, o matasse.
Como uma abelha sem colméia, Karin, já não tinha mais propósito, ela era apenas uma criança de sete anos quando aquilo aconteceu, mas já parecia o fim. Ela não se sentia mais segura, quem iria cuidar dessa deprimida garotinha agora? Ninguém sabia. Sua mãe, meses depois já encontrou outro homem, um preguiçoso e cachaceiro, que só fazia dar ordens nela, e ela tinha que obedecer todas, pois era ele quem mantinha a casa de pé.
Karin, começou a se desleixar, se vestia mal, (usava roupas folgadas e fubentas), não arrumava o cabelo, (o deixava parecendo um longo ninho, cheio de nós e pontas duplas) nem nunca tocava em uma maquiagem, (ela tinha a cara oliosa, e cheia de espinhas) e tudo isso foi dando início a uma reputação horrível e humilhante para ela; nenhum garoto queria a estranha da Karin Marino, nenhuma menina queria ser amiga da mal vestida da Marino, ninguém, queria ficar perto, da feiosa da Karin; e tudo isso se estendeu até os dias de hoje, quando em mais um dia "comum" para ela, estava sendo humilhada novamente.
A gritaria era grande no refeitório, alunos gritavam e riam em volta de algo entre as mesas.
- ES-TRA-NHA! ES-TRA-NHA! ES-TRA-NHA! - eles gritavam, enquanto riam feito hienas.
No meio de todos esses alunos, estava Karin, sentada e comendo, enquanto ignorava as garotas riquinhas da escola, e os alunos rindo, que estavam tentando encher a paciência dela.
- A porquinha tá comendo sua lavagem? - Thaís, caçoa da menina.
Karin, abaixava sua cabeça, e comia como se estivesse sozinha alí, ignorando a todos. Ela garfava na bandeja silenciosamente, e mastigava quieta, mas aí, uma das meninas empurra a bandeja da Karin, para o chão, sem pena. Os alunos começam a vaiar, e Karin, leva a mão a cabeça, já perdendo sua paciência.
- Come do chão, estranha! - Thaís, fala.
Karin, de cara amuada, prendia seu olhar para baixo, e as "TOPS", todas se aproximam dela. Thaís bagunçava o cabelo de Karin, enquanto as outras davam petelecos no pescoço dela.
Karin, levanta-se de forma violenta, empurrando a cadeira contra as meninas. Ela encara as meninas com sua cabeça inclinada para baixo, mas seus olhos, quase revirados, olhando para cada uma delas.
- Cara feia pra mim é fome! - debochando, Ohanna, responde. - que pelas suas roupas, deve ser isso mesmo!
- Acho que ela não tem nem casa, as roupas dela são piores que aqueles vermes que moram debaixo da ponte! - Poliana, diz, revirando seus olhos com nojo.
- Esse corte de cabelo dela, parece que foram os mendigos que cortaram mesmo, cabelo mais horrível! - Suellen, fala, olhando ela de cima para baixo.
- Calem a boca, suas vadias! - Karin, dá um grito explosivo, que cala a todos no pátio.
Um silêncio repentínuo ecoava por lá, todos estavam surpresos com a atitude dela, e agora curiosos com a reação das meninas.
As mimadas e esnobes, "TOPS", davam pequenas olhadas entre si, pasmas, enquanto tentavam manter sua postura caçoísta.
- A cadelinha ficou bravinha, foi? - Thaís, zomba da garota.
- Se eu sou cadelinha, você já é uma cachorra! Que sai pegando um e outro nos banheiros da escola! Sua depravada do caralho! - nervosa, Karin, responde com um grito imponente.
Risadas começavam a aparecer em meio ao silêncio, e aos poucos se alastrava. As "TOPS", não entendiam o motivo das risadas, e olhavam confusas, para o resto dos alunos. A multidão já estava gargalhando, rindo feito loucos, como um bando de animais, e Thaís, ao ver o olhar constrangido de Karin direcionado para baixo, logo entendeu o motivo.
O shorts branco de Karin, estava machado de um vermelho escuro, bem na parte de suas genitais, era sangue; ele pingava de seus shorts até o chão, criando uma pequena poça entre seus pés.
Karin, não sabia onde pôr a cara, ela sempre houviu falar daquilo, e sempre esperou o momento anciosa, ela queria se tornar uma moça, mas a primeira menstruação dela acabou vindo bastante tardia, aos desesseis anos, ou melhor, agora. A menstruação costuma aparecer em momentos de nervosismo ou em extremos estresses da mulher, e no caso de Karin, não veio por acaso.
Ela estava mais vermelha que um tomate, só não estava mais vermelha que o sangue que manchava seu shorts. Thaís, bate nas outras meninas com o cotovelo, e indica o motivo da chacota com seu olhar. As "TOPS" riam e cochicham entre si, enquanto Karin, olhava pra todo canto, inquieta e receiosa, pois ela sabia que agora, as meninas tinham a faca e quiejo para zoá-la até seus ouvidos explodirem.
Karin, sente suas pernas bambas, sua visão turva, e quando vê, já estava no chão, desmaiando aos poucos. Thaís, pega seu caríssimo celular, e rindo fino, ela tira uma foto humilhante de Karin; ela estava caída, com suas pernas arreganhadas, e suas genitais encharcadas de sangue, melando até suas pernas e o chão do pátio.
Ela sentia pancadas na sua bochecha, e gritos quase inaudíveis ecoando. Ela abre seus olhos, e ainda com sua visão embaçada, vê a professora, a Srta.Gomes, chamando seu nome. Ela pisca seus olhos, e um som agudo surge, quase que rasgando seus tímpanos, ela leva as mãos aos ouvidos, tampando, mas o som não parava muito menos amenizava. Ela pisca novamente e vê algo por cima do ombro da professora; era um ser, que usava capa negra, e estava de pé bem a frente dela; era um homem velho, de cara enrugada e séria, pouco cabelo, e um olhar negro.
Karin, com o susto, se afasta da professora, com seus olhos arregalados em direção a onde estava esse ser. A professora, logo olha para trás, mas não vê nada. Karin, tentava falar, mas sua boca gaguejava e ela se perdia nas próprias palavras.
- A-a lí a-t-t-as! A-a-a-atrás!
- Não tem nada alí atrás, se acalme, Karin. - a professora, diz.
Karin, não parava de gaguejar e de tremer, e a professora, sem saber o que fazer, dá um forte tapa no rosto dela. Quando a mão velha da professora, bate na pálida bochecha de Karin, era como se ela tivesse batido a cabeça em um muro de tijolos; ela sente um forte impacto, e cai desnorteada no chão, com seu nariz sangrando.
- …Karin…acorda, minha filha… - ela escuta uma voz.
Ela sente um movimento lento, passando em seus longos cabelos.
- …Mãe…? - ainda atordoada, ela pergunta.
-…Sim…
Karin, então abre seus olhos, ela estava em um hospital com sua mãe.
- O que houve, mãe? - ela pergunta, confusa.
- Você desmaiou na escola, ninguém conseguiu te acordar, você também estava alucinando, aí a escola chamou uma ambulância e te trouxeram pra cá.
- …Eles riram de mim…todos eles, mãe...de novo… -murmurou a garota.
Com um abraço, a mãe dela responde - Calma, minha filha, vai ficar tudo bem.
Tina Marino, sabia que não ia ficar tudo bem, sua filha chegava em casa chorando todo santo dia e ela não conseguia fazer nada para evitar; ela conversava com a escola, mas era sempre o mesmo papo "iremos tomar as providências" mas eles nunca faziam nada; então, a única solução que Tina, tinha, era cuidar de sua filha quando ela chegasse em casa, ou pelo menos tentar, pois seu marido, só dificultava as coisas.
Chegando em casa, Tina, entrava abraçada com sua filha, e dava beijos em sua testa, tentando confortá-la.
- Minha filha, você sabe que não posso mudá-la de escola, não tenho dinheiro pra pagar uma particular, e essa é a melhor pública da cidade. - ela diz.
- …Tudo bem, mãe… já suporto isso há anos, faltam apenas mais dois anos pra mim lá… - Karin, responde.
- CADÊ A JANTA, TÔ COM FOME!
Um grito, vindo da casa, interrompe as duas, e ambas, respiram fundo, pois sabiam de quem se tratava.
- Estou indo! - Tina, responde.
Ela corre para atender seu marido, e Karin, caminha até seu quarto.
- SUA VAGABUNDA! NÃO SAIA MAIS SEM ME AVISAR!
Karin, ouviu tapas, e gemidos, e preocupada, foi atrás. Ela chega até a cozinha, onde vê sua mãe no chão, com a cara sangrando, e seu padrasto, com um cinto em mãos, que acabara de retirar de sua cintura.
- Mãe! - Karin, geme.
Tina, enxuga suas lágrimas ao ver sua filha, sua cara não escondia a dor, nem o sangue escorrendo de seu rosto.
- Sai daqui, Karin! Vá para o seu quarto! - com a voz trêmula, ela, ordena.
- Não, mãe! - ela lastima por sua mãe.
- Vá! Karin! - Tina, aumenta o tom.
Seu padrasto, fecha e tranca a porta da cozinha na cara de Karin. Ela escuta mais gemidos e gritos dolorosos, chicoteadas e grunhidos. Ela batia na porta; chorava e gritava o nome de sua mãe; soluçava de tanto chorar; mas não adiantava de nada, e ela teve que ficar lá, sofrendo por sua mãe.
Mais tarde, naquele mesmo dia, os três estavam jantando na mesa, Tina, estava com sua cara inchada, olho roxo, e dores no corpo, ela comia devagar, e cabisbaixa, enquanto ainda soluçava e secava suas lágrimas. Karin, não escondia sua infelicidade, ela mexia no prato com o garfo, sem fome nenhuma, ela não parava de pensar em sua mãe. Tina, engolia a comida do mesmo modo que engolia o choro, ela odiava aquela vida, mas era a única que podia ter, ela não tinha como sustentar sua filha; apanhar, ser forçada a fazer sexo, e se rebaixar ao nível de empregada, eram suas tarefas como esposa, e ela tinha que fazer tudo isso como uma escrava.
Ele comia como um animal alvoroçado, metia os talheres no prato, como se a comida fosse fugir; e aquele som agudo, dos talheres batendo, já estava começando a agoniar Karin. Ela contorcia seus lábios; levava a mão a testa; respirava fundo; e continuava a mexer na comida, tentando se acalmar. Tina, percebe a aflição de sua filha, e começa a se preocupar, temendo que o pior acontecesse.
Na mente de Karin, pensamentos íam e vinham; libertar sua mãe desse inferno; arrumar um emprego e cuidar dela; ou até, matar seu padrasto. Nessa última opção, ela até pensou duas vezes. Ela começa a passar o dedo na lâmina da faca; os gritos, as chicoteadas, os gemidos, todos eles martelavam em sua cabeça naquele momento.
Ela estava ao poucos, nutrindo um desejo de enfiar aquela faca na garganta do seu padrasto, e deixá-lo agonizando no chão. Sua mente, começa a pensar em mil formas diferentes de matar ele com aquela faca, só que nenhuma delas, se concretiza; Karin, ao ver o estado de sua mãe novamente, pensa bem, e concluí que o culpado não era seu padrasto, era ela mesma.
No dia da morte de seu pai, Karin, estava completando sete anos, e seu pai, deu duas opções de presentes "Vamos na padaria comprar um bolo, ou ir na loja de brinquedos, comprar uma boneca?", Karin, escolheu a boneca; ela mal sabia que aquela pequena decisão, mudaria sua vida inteira, "Eu quero a boneca, papai". No caminho até a loja, os dois foram rendidos por um bandido, que roubou seu pai, e após isso, deu um tiro bem no peito dele.
A pequena Karin, ficou sobre o corpo dele, chorando e soluçando, "Pai! Não vá!" Mas já era tarde, foi um tiro fatal. Karin, com aquela faca na mão, agora se culpava pela morte de seu pai; seus olhos já estavam cheios de lágrimas, e uma delas acaba escapando, e caíndo bem na lâmina da faca. Karin, sente um remorso apertando seu peito; uma forte dor; parecia que alguém havia atravessado uma barra de ferro no meio de seu coração.
Karin, não aguentando aquela dor, aponta a faca bem na direção de seu peito, pensando em aliviá-la mas, ao dar uma última olhava para sua mãe, ela vê que não podia deixá-la sozinha com o monstro de seu padrasto, e ela apenas faz um corte em seu pulso, para a faca não dar viagem perdida.
O corte era para ser algo insignificante, algo simples mas, assim que ela passa a lâmina da faca por seu pulso, o sangue derramado faz ela sentir um alívio; era como um analgésico, aquele corte havia amenizado a dor da culpa em seu peito.
Já estava bem tarde, a casa estava silenciosa, todos estavam dormindo e Karin, estava em seu quarto, ainda acordada; ela sempre foi uma coruja, costumava madrugar, e só dormir de dia; ela sempre preferiu a noite, a escuridão.
Karin, estava deitada em sua cama, observando apaixonada as estrelas pela janela bem à sua frente.  Ela adorava aquilo; toda noite, antes de dormir ela observava as estrelas, as via brilhar.
Ela de repente escuta passos se aproximando do quarto dela; ela sente a presença de alguém, uma respiração pesada e profunda; Karin, sente seus pelos arrepiarem, e sua espinha congelar como se fosse o monte Evereste, mas, ela não vira-se para ver quem era. Os passos agora se distanciam dela, e ela escuta alguém ligando a luz do banheiro.
Karin, fica curiosa, e discreta, se levanta da cama, e vai até o corredor da casa. Ela viu no fim do corredor, a porta do banheiro, ela estava entreaberta, e dava para ver uma sombra dentro de lá, a sombra de alguém.
Ela passa pelo quarto ao lado, pelo quarto de sua mãe, e ela estava lá, junto ao seu padrasto. Karin, arregala seus olhos, com medo, e ao olhar de volta para a frente; no fim do corredor; a luz do banheiro estava desligada, e a porta arreganhada.
Seu coração dispara, sua respiração estava baixa, e seus olhos; nem se fala, pareciam querer pular para fora. Karin, tenta dar um passo para frente, mas suas pernas tremiam como se estivessem com o mal de Parkinson.
Ela estava paralisada, não sabia se ía ou voltava, sua respiração travava, mas ela ainda escutava a respiração de alguém atrás dela; aquela mesma respiração profunda e pesada, só que dessa vez, no pé de seu ouvido.
Seu coração estava quase pulando pra fora, ela estava apavorada, e não sabia o que fazer mas, ela toma um pouco de coragem, e decide virar-se. Seus olhos, pareciam estar mais antecipados que seu corpo; eles quase reviravam para o lado, de tão curiosos mas, para o seu alívio, não tinha ninguém atrás dela. Ela expira um ar pesado, que parecia estar preso em seu pulmão há anos, e ainda perturbada, volta para a cama; e tenta dormir, como se nada tivesse acontecido.
Já de manhãzinha, Karin, não precisou nem de um despertador para acordar; uma dor infeliz no pé de sua barriga já fez isso pelo celular dela. Eram cólicas, que pareciam dar socos no útero dela, e sua cara contraída não escondia isso. Ela bota a mão por baixo do edredom, no pé da barriga, apertando o local da dor, até que sente algo em suas genitais. Ela desvia sua mão até lá, e acaba sentindo algo molhado e espesso; ela volta com seus dedos até os olhos, e vê sangue.
Ela logo sente um nojo, aquele negócio meio grosso e escuro, parecia um molho barbecue estragado; o sangue estava escorrendo por seus dedos como um catarro, e sem pensar, ela limpa seus dedos no edredom, (que era mais branco que uma folha de papel ofício).
- Merda! Agora essa porcaria vai manchar! - grita Karin, esbravecida.
Ela sente um cheiro desagradável, e ao levantar o edredom de seu corpo, vê sua calcinha toda suja de sangue, e sua cama parecendo um grande lago de suco de beterraba. Ela sente algo subindo a sua garganta, como se fosse vômito, mas não era nada saindo, era só o nojo da menstruação mesmo, ela ainda não estava nem um pouco acostumada com aquilo.
Ela vai até o banheiro, e assim que abre a porta, estranha; haviam um monte de potes de tinta para cabelo, era um verdadeiro arco-íris, toda cor possível na face da terra, estava lá em potes. Junto as tintas, estavam luvas e produtos para cabelo, todos em cima da caixa da descarga.
- Que droga é isso? - ela se pergunta.
Mas ignora as tintas, e vai até o chuveiro se lavar. A água estava fria, as gotas d'água que caíam na pele dela pareciam mais pequenos pedaços de granizo. Seus dentes batiam uns com os outros, seus lábios estavam ficando roxos, e ela não parava de tremer.
Depois do banho, ela vai discretamente até o quarto de sua mãe, e pega alguns absorventes dela. Karin, agora fazia seu café da manhã, seus pães assados "sagrados" que ela não podia sair sem comer. Ela esperava em frente a sanduicheira os pães ficarem prontos, como se estivesse esperando um grande amigo; que ao invés de cumprimentá-lo com um forte abraço, iria meter os dentes nele; triturá-lo; e digerí-lo em seu estômago… e o resto já sabemos… creio que não precisa ser explicado. Os pães saíram douradinhos, pareciam ser feitos de ouro; e pela forma que Karin, os olhou e lambeu seus lábios, pareciam ser mesmo.
Após alguns minutos de caminhada, Karin, já se aproxima da escola; os gritos de lá de dentro já davam para se escutar de longe. Ela respira fundo, e se prepara para mais um dia nesse inferno de escola. Ao chegar perto dos portões da escola; ela viu vários alunos fora, conversando encostados no muro; e assim que Karin, se aproxima, já dava para escutar as risadinhas entre os alunos.
Dentro da escola, todos cochichavam e riam quando ela passava; aquilo já estava começando a incomodar. Karin, andava cabisbaixa, e de cara amuada; a vergonha já estava começando a subir, e seu "indicador de bullying" já estava gritando.
Passando pela porta de sua sala, ela logo vê no canto da sala, as "TOPS", rindo com algo na mão; tipo umas folhas de papel. Karin, caminha até seu assento, e Thaís, vê ela, e alerta as demais meninas. Karin, primeiro coloca a mochila no assento, e quando vai sentar, as "TOPS" já soltam uma piadinha.
- A mocinha já aprendeu a usar absorventes? - Ohanna, debochando, pergunta.
As meninas riem; e Karin, ignora elas.
- Será que o absorvente coube nessa vagina magra?! - Poliana, exclama alto; e todos da sala começam a rir, batendo nas carteiras e uivando feito loucos.
Karin, se retrai na cadeira; fica cabisbaixa e emburrada; até que o professor chega na sala, e todos se calam de uma hora para a outra; mas os olhares e os sorrisos caçoando da garota, ainda prevaleciam.
Várias aulas haviam passado, e Karin continuava do mesmo jeito, quieta; de cabeça baixa; e entristecida. As "TOPS", estavam espalhando umas folhas pela sala; discretamente; e rindo entre si. Aluno passava para aluno, sem o processor perceber, e cada um deles dava uma pequena risadinha ao ver a folha.
Aquele dia foi um saco; o dia todo, os alunos riram entre si, enquanto olhavam para Karin; ela estava incomodada mas não podia fazer nada. Todos estavam espalhando folhas de papéis entre si, parecia algo imprimido, alguma foto. Karin, a todo momento fazia a mesma coisa, "respire fundo, conte até três, e imagine um céu azul", isso era o que seu pai sempre falava para si, quando estava estressado ou incomodado; e Karin, decidiu herdar isso dele.
O intervalo chegou, os alunos corriam até a fila da merenda, como se a comida fosse criar pernas e sair correndo. Karin, estava sozinha, em uma das mesas do pátio; comendo e pensando no qual merda sua vida é. Risadas começam a surgir entre os alunos no pátio, e todos eles seguravam aquela mesma folha de papel, com algo imprimido. Começavam com pequenas risadas, e aos poucos aumentavam e se espalhavam. As "TOPS" aparecem por trás de Karin, e soltam uma das cópias daquela folha de papel, bem na mesa dela.
Karin, sem levantar sua cabeça, dá uma pequena olhada; seus olhos enchem de lágrimas, e seu coração amargura de ódio; naquela, e em todas as folhas, estava inprimido uma foto dela mesma, no dia anterior, caída; de pernas arreganhadas; e menstruada.
Ela rasga a folha assim que vê, e levanta-se, indo avançar nas garotas esnobes mas, nesse momento, todos começam a rirem alto. Todos ficam em volta da mesa de Karin, segurando as folhas e apontando. Eles gargalhavam tanto, que chegavam a ficar sem ar. Os olhos de Karin, já estavam pesados de lágrimas, e não conseguindo contê-las, ela desaba. Ela chorava muito, parecia uma criança; aquela era a gota d'água, a pior das humilhações, era algo que ela nunca esqueceria, muito menos todos naquela escola.
O resto da semana inteira foi assim. Todo dia, ela chegava na escola, e era motivo de piada da primeira até a última aula. A piada parecia nunca perder a graça, todos sempre riam da mesma forma, era tudo sempre repetitivo. Karin, todo santo dia, chegava da escola chorando, e ía direto para o quarto; onde descontava toda a sua angústia, nela mesma, mutilando seu braço.
Ela estava se confortando cada vez mais naquilo, era como uma válvula de escape, sempre que ela passava a lâmina por seu braço, era como se seu coração expirasse todo o peso e a tristeza para fora, junto ao sangue que escorria por seu braço. "Respire fundo, conte até três, e imagine um céu azul" agora, ela estava começando a deixar isso de lado, seu novo lema era "vá para o quarto, pegue uma lâmina, e passe por seu braço". O céu azul que ela tanto imaginava, agora havia transformado-se em um mar vermelho; vermelho carmesim; vermelho sangue; um mar no qual ela não podia escapar, e quanto mais tentava nadar, mais se afogava, e se aproximava do fim; do seu próprio fim.
Três dias já haviam se passado, era meio dia de uma sexta-feira, Karin; estava em seu quarto, fazendo o de sempre, aliviando sua dor; já estava virando rotina. Seus cortes estavam inchados, e cheios de pequenas bolhas de sangue, que aos poucos de espalhavam por seu pulso.
Seus pulsos já estavam completamente mutilados, centímetro por centímetro, mas; mesmo assim ela não parava. Karin, não sentia mais aquele alívio ao se cortar; é como se não estivesse mais funcionando ou então; sua dor chegou em um nível tão grande, que a única maneira de aliviá-la… era o suicídio.
Karin, não descartou essa opção; parecia a única forma, a única saída; e ela não aguentando mais, concerteza não hesitaria. Ela não estava pensando em ninguém naquela hora, apenas nela mesma; seu insensato coração queria apenas aliviar aquela dor de uma vez por todas.
Com a lâmina já em mãos, Karin, aprofunda os cortes, enfiando a lâmina em mais da metade de seu pulso. O sangue escorria em litros, e ela já não conseguia mais sentir o movimento de sua mão. Ela chorava, mas não voltava atrás, até porquê nem era mais possível, aquele corte era fatal, ela iria ter uma morte lenta e dolorosa, mesmo se fosse só por aquele corte.
Karin, faz outro corte, agora no outro pulso, tão profundo quanto o outro. Ela já sentia suas mãos frias, e aos poucos perdia sangue; que não parava de escorrer de seus pulsos. Ela faz mais cortes, abrindo até os anteriores; de dias passados; que já estavam cicatrizando. Seu pulso parecia uma contagem de dias de um prisioneiro ansioso para sua liberdade; só que no caso dela, aquela era sua liberdade; e a contagem de dias, (que servia para dar uma noção de proximidade), era na verdade os passos, que cada vez mais ela dava, até a porta da morte; a então sonhada escapatória; um doloroso caminho só de ida, que aliviava as piores dores de um coração que confia nesta como a única maneira.
Em uma contagem rápida, ela fez um torno de vinte cortes fatais em cada braço; cortes irreversíveis. Ela parou de se cortar naquele momento, não por dor, nem por vontade própria, e sim, por quê não conseguia mais mexer seus braços; eles já estavam pálidos, e com as veias palpitando e escorrendo as últimas gotas de sangue pra fora. Karin, chorava; chorava; as lágrimas escorriam por seu rosto, eram lágrimas inocentes, de uma garota que só queria ter amigos, só queria que todos tratassem ela de forma igual mas, nem tudo na vida é como queremos; o suicídio, foi a única coisa em toda a sua vida, no qual ela quis, e conseguiu tê-lo, sem ninguém para impedí-la.
Já perdendo sua força e seu equilíbrio, Karin, desmaia, ou melhor, já começava a morrer, enquanto o resto de seu sangue derramado se espalhava pelo chão de seu quarto. A porta de seu quarto não estava trancada, e naquele momento, sua mãe chega, chamando ela para jantar. Tina, ao ver sua filha caída em uma poça de sangue no chão, achou que era brincadeira.
- Karin, não é engraçado filha, para. - ela disse.
Ao falar ela deu um pequeno sorriso, em tom de brincadeira, mas que alternatava para uma boca de lábios trêmulos, que não sabia o que dizer, nem no que acreditar.
Ela se aproxima de sua filha, e ao ver o braço dela inteiro mutilado, não resiste, e cai no choro. Ela chacoalha o corpo de sua filha, grita pelo nome dela, e a cada segundo que passava, a ficha cada vez mais caía, e ela percebia que havia perdido sua única filha. Ela abraça o corpo ensanguentado de Karin; chorava; e se questionava, "por que, minha filha?! Por quê?!".
Após anos e anos de sofrimento, Karin, conseguiu o que sempre quis, a liberdade, a porta dos fundos para uma dor que perseguia ela desde sua infância. Agora, não existia mais Karin Marino, era apenas um corpo morto, que iria ser esquecido há sete palmos abaixo da terra; e toda a sua vida, toda a sua história, seria esquecida, poderia demorar anos, mas seria; pois para todos, (menos para sua mãe) ela era apenas um ser insignificante. E assim, foi o fim dessa jovem garota sofredora, que encerrou sua vida como o ponto final que darei neste capítulo.

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⏰ Última atualização: Jun 18, 2018 ⏰

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Mutilação - A Vingança Da LâminaOnde histórias criam vida. Descubra agora