Recíproco

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N/A: Oneshot para o projeto de ficstape organizado pelo Portal Shawn Mendes (tt: @PortalSMBRA)

Nós. Nesta noite, sob o luar cândido em meio à escuridão, somos só Katherine e eu. A garota dos longos cabelos encorpados repousa a cabeça sobre meu peito, aceitando de bom grado o carinho que deposito entre as madeixas escuras. A falta de um teto nos protegendo permite que a visão do céu estrelado alcance meus olhos, as respirações leves como penas e o tamborilar dos corações acelerados são os únicos sons captados no cômodo de madeira envelhecida.

Katherine Johnson é o que posso certamente chamar de definição exata para a palavra amor. Nosso primeiro contato foi no fundamental aos onze anos, nossas mães trabalharam juntas por um determinado tempo, e após a partida dolorosa da minha, meu pai achou necessário que partissemos para um lugar mais calmo.

Tamanha surpresa eu tive ao me deparar com a garotinha que amava fazer castelos de areia no parque quando mal sabíamos falar. Naquela situação era diferente, ambos estranhos, nerds, eu talvez enfrentando sinais claros do que seria no futuro um adolescente antissocial, órfão de mãe, com um pai que mal conseguia consertar os próprios cacos. Nos aproximamos por falta de opções num trabalho de ciências não tardando para sermos vistos juntos por todos os lados.

Houve uma época em que Katherine me arrastava todos os dias para o que chamávamos de "nosso pequeno esconderijo". Morando em um bairro modesto ao sul da Virgínia não tínhamos grandes exemplos de diversão, então quando encontramos uma construção rústica presa em uma árvore qualquer aos arredores das casas estupidamente alinhadas, não deixamos de aproveitar. Partes importantes da minha infância e toda a adolescência foram vividas aqui. De início era hilário deixar que os Johnson praticamente perdessem os cabelos procurando incansavelmente a filha pelo bairro, mas em alguma situação eles descobriram para onde íamos e esqueceram por considerar aquilo "brincadeira de criança". Alguns anos depois todos sabiam que éramos bem mais que amigos de infância. Em um lugar tão pequeno as pessoas comentavam, comentavam como parecíamos incríveis e felizes juntos, longe de saberem das brigas frequentes que desenvolvemos após o fim do ensino médio. Katherine não desejava passar a vida num local tão limitado, ela almejava mais. Seu sonho não era apenas conhecer lugares novos,- especificamente o Japão, sua admiração pela cultura oriental amadureceu com o caminhar dos anos se tornando um desejo marcante, ao ponto dela se imaginar convivendo com os japoneses e passeando pelos mosteiros antigos-, aquilo também consistia em construir uma vida fora da Virgínia e mergulhar em culturas diferentes. Eu não tinha condições para segui-la, meu estado financeiro estava crítico, ao que tudo indicava meu pai havia desistido definitivamente de se reconstruir, abandonou o emprego na área de engenharia que tanto amava, e dedicava seus dias a vegetar na cama entre lamúrias. Quando todo o nosso dinheiro acabou eu tive de arrumar um emprego, o único que encontrei na loja de ferragens da cidade e larguei as esperanças de entrar para uma boa faculdade. Eu precisava segurar as coisas.

Os familiares me aconselhavam frequentemente por telefone a mandar meu progenitor de volta para Washington - onde morávamos antes de tudo desandar - mas eu me recusava. Não era o que ele queria, ter as pessoas se intrometendo em sua dor.

A própria Katherine concorda com essas pessoas, este inclusive já foi um dos maiores motivos das nossas brigas. Seus pais estavam cogitando fazer um bom empréstimo suficiente para ajudá-la a sair do país e escolher uma universidade requisitada. Era egoísmo, eu reconheci isso no instante em que desejei arduamente que não desse certo. Não parecia correto pressioná-la a ficar, não quando eu mesmo não tinha nada a oferecer.

Mas...Não estava em meu sangue assisti-la partir de braços cruzados.

Ficamos ao menos duas semanas sem contato desde a última briga, foram sem dúvidas os dias mais solitários que lembro de ter passado. Ela me ligou horas atrás, sua voz doce e contagiante aqueceu meu coração enquanto marcavámos o encontro na casa da árvore.

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