Acompanho o esplendoroso nascer do dia, vendo as cores rompendo a escuridão da noite, vastas colinas verdejantes com alguns animais pastando, essa é a vista da janela do meu quarto. O brilho que surge com o sol me faz lembrar de meu pai, que faleceu à uma semana, quando seu cavalo Trevor, se assustou com algo e acabou jogando-lhe dentro do rio. A morte dele foi um baque e tanto para nós, tudo nessa casa me faz recordar dele, mas minha ligação maior é com o cavalo.
Saio de meu quarto tentando não fazer barulho, desço as escadas em direção a sala de estar, abro a porta silenciosamente e deixo a casa sem que ninguém perceba, ando até o estabulo, aonde avisto Trevor, seus pelos são pretos, macios e brilhantes, assim como sua crina, ponho a cela nele, dou-lhe três torrões de açúcar, monto segurando a rédea e começo a cavalgar.
O vento faz meu cabelo flutuar, o oxigênio entra em meus pulmões renovando o ar, guio Trevor até o rio, desço acariciando sua crina e depois caminho até a beira do rio, sinto as lágrimas escorrerem pelo meu rosto, vejo meu reflexo, minha pele pálida, cabelos loiros despenteados, olhos castanhos escuros, grandes olheiras roxas e camisola branca, me ajoelho no chão e molho as mãos na gélida água, permaneço ali lembrando de todos os instantes que passei com meu pai.
O brilho mais perceptível do sol me faz "despertar", voltando para o estábulo. Prendo Trevor e tiro sua cela, ajeito minha roupa e corro para casa.
Adentrando na sala o silêncio perturba meus ouvidos, minha mãe e irmã já deveriam estar acordadas, vou ate o quarto de meus pais, bato na porta, não obtenho resposta, cogito voltar para sala, mas ouço soluços vindo do lado de dentro, entro no quarto e encontro minha irmã debruçada em cima de algo, ao chegar mais perto percebo que é o corpo da nossa mãe, com uma corda no pescoço.
Um nó se forma em minha garganta e pergunto temerosa:– O que aconteceu Domitila?
Minha irmã me olha assustada e responde soluçando:
– Eu... eu vim chama-la para o Desjejum, mas não obtive resposta quando bati na porta, então decidi entrar no quarto e assim que o fiz encontrei ela pendurada com a corda no pescoço, chequei os sinais vitais, mas eles já eram inexistentes.
Começo a chorar desesperadamente.
– Não, ela não faria isso comigo, com nós, ela não nos deixaria sem ninguém, agora estamos completamente sozinhas.
Domitila me envolve em seus braços e acaricia meu cabelos dizendo:
– Não estamos sozinhas Lucy, pois temos uma a outra.
Nesse momento aperto nosso abraço chorando em seus ombros, nosso choro e soluço preenchem o silêncio do quarto, porém sinto que nada preenchera o vazio do meu peito.
Saio de seu abraço e viro sem dizer nada.
– Lucy! Onde vai?! - ouço minha irmã gritar mas não dou ouvidos. Minha caminhada se torna uma corrida em direção ao estábulo. Coloco a cela novamente em Trevor e não demoro a montar.
Início a cavalgada e vou sem rumo pelas trilhas do bosque. As lágrimas agora escorrem lentas por meu rosto um tanto inexpressivo. Meu coração bate acelerado assim como os cascos de Trevor nos cascalhos que se espalham pela terra. Chegando perto do lago paro e desço do cavalo. Vou até a beira d'água e sento-me na terra úmida da margem. Em minhas mãos pego um pouco de água e despejo novamente no lago.
A respiração ofegante tarda em parar. Meus pulmões queimam e meu coração parece arder em chamas.
Mal superei meu querido pai indo ao céus. Minha mãe tinha mesmo que acompanha-lo?
Fecho os olhos soluçando alto. Levo as mãos ao rosto e sinto a água fresca do lago se fundir com minhas lágrimas.– Eu nunca estive pronta pra perder nenhum dos dois...
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Sádica Esperança
General FictionLucy Brandão é uma jovem do século 19 cheia de sonhos e determinação, tudo o que sempre desejou era ser feliz, com um homem por quem se apaixonaria, casaria e formaria uma família, mas vê seu conto de fadas se desfazer quando tragédias inesperadas c...