Comecei a escrever a carta, me assustei por que pensei que poderia travar na hora, mas as palavras saíam naturalmente. De fato estava preparada para por um fim em minha vida, fiquei orgulhosa de mim, pelo menos uma vez na vida não estava insegura e tinha certeza do que queria fazer, pelo menos no fim, pensei comigo.
Só faltava, até no momento que deveria morrer, não estar preparada, seria bem minha cara, a garota orgulhosa que se achava preparada e independente. Ironicamente, a vida me mostrava que tudo o que buscava era a dependência, eu dependia do amor, ou melhor, da falta que esse fazia em minha vida, e tentava preencher com outras coisas.
O ruim disso é que em determinado momento, perdi o controle enquanto achava estar, pura ilusão. Eu pensando sem perceber o óbvio, brigando por independência, mas no fundo buscava ser dependente.
Meus avós não puderam ver, minha mãe também não conseguiu, nem meus "pseudos amigos" foram capazes de ver. Engraçado só afirmar isso agora, me sentia realmente preparada no linear do meu auto-entendimento. Estava até consciente de tudo que errei e de tudo que queria ter ouvido na busca interior que fazia.
Resolvi me concentrar e esquecer do mundo e do resto ao redor, falei com a Renata que não estava com fome e que iria ficar por aqui no quarto, e que não queria ser incomodada, ela aceitou sem tentar me convencer do contrário, deve ter pensado na dor que sentia pela perda e ela não estava errada, era uma dor sem fim, fria e ressonante, e assim as palavras foram saindo e fluindo direto do coração e eu as fui escrevendo.
"Gostaria de dizer muitas coisas, pensei que seriam palavras simples, nunca fui de pensar no fim, pelo menos não nos últimos tempos. Sempre acreditei que a morte seria o fim de um ciclo, e que cada pessoa tem de encontrar o seu, cada um teria seu objetivo na terra e ao fim dele, a morte seria o último estágio. Por um longo tempo, procurei esse meu objetivo, ficava me perguntando sobre meu ciclo. Infelizmente ou felizmente, pude perceber que meu ciclo era a dor, um contraste com o amor que tanto recusei acreditar que poderia querê-lo, mas descobri que minha jornada até aqui, foi procurando um amor que por alguma razão perdi no meio do caminho, não quero culpar a separação de meus pais, mas e se for?
Não quero culpar minha acomodação com a situação, mas e se for?
Não quero culpar minha rebeldia e as coisas supérfluas que eu fazia, mas e se forem? Não quero culpar meu pai pelo distanciamento de mim, mas e se for?
Não quero culpar minha mãe por ter partido, mas e se for o motivo também?
Chego em um momento onde tudo isso pode ser, talvez esse tempo todo só precisasse de um estopim, e este veio de forma triste e dolorosa, não sei dizer se cedo ou tarde, prefiro não pensar nisso. A única coisa que quero pensar é, seria eu uma escolhida por Deus parar sofrer? E se sim, por quê?
Teria eu em outra vida feito coisas ruins e agora estaria pagando?
Nunca acreditei em vidas passadas, mas nesse momento não sei mais no que acreditar, nem no amor.
Peço desculpas pai, por vir aqui atrapalhar sua vida, talvez o certo seria nunca ter vindo, apesar que confesso que gostei de me sentir filha de um pai, sentimento esse que não sentia a muitos anos, desculpe Renata, apesar de te conhecer a pouco tempo, pude ver que é uma boa pessoa e que irá cuidar bem do meu pai, me desculpe família por ser tão deprimente e auto suficiente e por envergonhar vocês, pois cedo ou tarde, irão saber da pessoa vazia que eu era, desculpe amigos por ser tão honesta com vocês e confiar, e depois ser traída por uma foto intima minha, obrigado por abrir meu olhos e obrigada mãe.Dou um longo suspiro…
"Obrigada por ser tudo o que foi em minha vida, e me desculpe por nunca ter agradecido você. E me desculpe por não poder dizer que te amo, sim, te amo, e não poder dizer isso olhando em seus olhos, me corrói por dentro, e onde você estiver tenha certeza, não levarei nenhuma tristeza sua no coração, te amo."
Com lágrimas nos olhos escrevi as últimas palavras na carta, guardei embaixo do travesseiro, apaguei a luz e me deitei.
Sentia uma mistura de sentimentos, apreensão, medo e ansiedade.
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O CAMPO DOS ALGODÕES
Short StoryUma garota à Beira do suicídio conhece o fantasma de um garoto, que ira mudar para sempre sua vida,