Entre Tempos E Universos

Flórida

Tudo que eu conseguia escutar era o som da sola do meu tênis - um Chuck Taylor -, pisando com força no asfalto molhado enquanto eu corria apressada pelas ruas mal iluminadas da cidade.

Eu sabia que estavam atrás de mim, eu podia senti-los.

Mas eu não me atrevia a olhar para trás, somente à frente. Eu só precisava de uma distância maior deles, por isso acelerei meus passos ao ouvir o sons das botas pesadas que eles usavam pisando nas poças d'água que haviam por ali. Forcei meus pulmões, correndo ainda mais rápido e virando depressa em uma esquina, quase escorregando no processo.

Ajeitei o relógio em meu pulso enquanto corria, tentando ajeitar na frequência certa. Eu não podia errar isso, ela estava esperando por mim. Quase tropecei em um buraco na rua e senti minhas mãos doloridas ao irem de contato ao chão, assim como meus joelhos. Respirei fundo, me colocando de pé e voltando a correr o máximo que conseguia.

Enfiei a mão no bolso sentindo minha pele quente entrando em contato com a matéria fria e homogênea. Eu não podia derrubar isso, era a última em minha posse e eu precisava dela. Urgentemente.

Me atrevi a olhar para trás, resmungando um xingamento ao ver que eles estavam perto. Eram cinco homens, eu não conseguiria lutar com os cincos mesmo sendo boa de briga. Senti a dormência em minhas pernas pelo tempo que tentava fugir enquanto fazia uma nova curva e sorri ao ver algumas latas de lixo. As derrubei assim que passei por elas, esperando que isso os atrasasse.

Virei em uma nova rua vazia e acelerei meus passos mais ainda, olhando para trás e sorrindo ao ver que as latas realmente os atrasaram. Coloquei a mão em meu bolso, tirando a matéria fria dali e a moldando rapidamente como uma pequena bola antes de a lançar o mais longe que consegui.

Não parei de correr quando observei o portal luminoso se formar a partir da matéria e, assim que cheguei perto o suficiente, pulei virando meu corpo a tempo de ver os homens tentando me alcançar.

— Chupa essa otários! — gritei, erguendo meu dedo pra eles antes de ser sugada para trás.

A sensação de flutuar tomou conta do meu corpo e por alguns segundos senti meu estômago em meus pulmões, até que minhas costas batessem contra o chão frio.

Respirei em alívio ao olhar o céu azulado e saber que eu não estava fugindo de ninguém no momento. Pelos menos por alguns minutos.

Me sentei no chão, finalmente notando que na verdade era grama de um campo aberto. Franzi o cenho olhando ao redor. Ali não parecia um lugar que eu já estivesse e eu já havia estado em quase todos os lugares do mundo e do tempo.

Arregalei meus olhos ao perceber a merda que eu poderia ter feito, encarando o relógio em meu pulso que, ao invés de marcar 2018, marcava 1818.

— Puta merda, ela vai me matar — xinguei em voz alta, deitando meu corpo novamente na grama. 

Os botões do relógio devem ter sido acionados quando caí enquanto fugia, alterando os primeiros números da data. Agora eu estava sem matéria para voltar pra casa.

E não sei como poderia encontrar os ingredientes necessários por aqui. Justamente 200 anos antes do meu tempo.

Me levantei, sem muita opção, tirando a jaqueta que vestia, por conta do calor, e a amarrando na cintura. Puxei pra cima da blusa o colar em meu pescoço, abrindo a pequena bússola e sorrindo involuntariamente para as escritas ali.

"Para você sempre me encontrar" 

Encarei o ponteiro que apontava para o norte e me virei para essa  direção, guardando a bússola debaixo da blusa e começando a caminhar. Fiz uma careta assim que cheguei na estrada, observando alguns cidadãos e suas roupas.  Eu iria precisar me trocar para me disfarçar aqui. Porque definitivamente minha jeans e camisa dos Rolling Stones não combinava com os vestidos e ternos que eu estava observando. Talvez eu...