IV

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     Enquanto esperava, dentro do apartamento de Hugo, Letícia ouviu o telefone tocar. Ansiava para que fosse Hugo em seu corpo, ou Fernanda com alguma notícia. Mas não. O número mostrava um outro nome. Carol.

Preferiu não atender. Desligou rapidamente, e o telefone continuou tocando. O celular vibrava com várias mensagens. Finalmente Letícia resolveu atender, estressada.

— Por que você não quer falar comigo? — Perguntou a moça do outro lado, com uma voz aguda, de quem estava chorando.

— Estou muito ocupado agora. Não dá pra responder. — Disse, imitando o tom de voz que Hugo costumava usar com ela. Também não desejava ferrar com a vida dele, mesmo temendo que ele fizesse justamente isso com a sua.

— É por que eu não quis fazer nada no fim de semana, não é? Desculpa. Eu não estava preparada. Desculpa mesmo.

Letícia pensou na moça do outro lado do telefone, chorando porque o homem que ela com certeza amava a ignorava. Mais uma de suas mulheres. Eu fui muito trouxa. Pensava. O que eles iam fazer no fim de semana? Sexo, com certeza. Mas ela não quis. Virgem, talvez? Letícia começava a traçar um padrão do homem que estava em seu corpo. O homem que ela escolheu se entregar.

— Olha, é melhor você se afastar de mim. — Começou Letícia. Sentiu empatia pela tal de Carol. Ela não tinha culpa. E para ligar chorando, agindo como se estivesse errada por ter não ter feito algo que não desejava, certamente Hugo parecia bem tóxico para ela. Não era o tipo de homem que Carol deveria amar. — Não quero mais ver você.

— É por aquilo, não é? Me encontre hoje. Eu me entrego pra você. Eu faço o que quiser, mas por favor, não me abandone. Eu amo você, Hugo. Por favor, por favor...

Sua voz morria aos poucos, afogando-se nas lágrimas que com certeza escorriam. Letícia sentia o aperto no peito. Queria abraçar a mulher que ela nunca tinha visto na vida. Não queria que ela chorasse por alguém tão ruim. Mas, no fim, sabia que aquilo de nada adiantaria. Abraçá-la naquele corpo seria apenas envolvê-la mais com aquele homem. Precisava afastá-la. Precisava ser ruim para ela aprender.

Com gosto de bílis na garganta, Letícia continuou, aumentando o tom da voz, fazendo-a soar mais grave. Queria parecer que estava brigando, mas não sabia se teria muito sucesso.

— Eu não quero ver você mais, ouviu? Encontrei alguém melhor. Mais bonita. Você não me interessa mais não. Se possível, não quero nem ver sua cara mais.

Ouviu a fungada do outro lado do telefone. Desligou antes que ela falasse algo. Letícia sentiu os olhos marejarem. Não tinha como saber se aquilo daria certo. Era um método péssimo para resolver toda a questão. Mas sentiu que precisava. Só esperava que isso não deixasse Carol pior.

Seu coração doía por alguém que ela não conhecia, e nem mesmo tinha visto alguma vez na vida.

O telefone tocou outra vez. Acreditou que fosse Carol de novo. Mas não. Era Fernanda.

— Hugo sumiu com seu corpo. — Disse, sem rodeios. Letícia sentiu o baque no peito. Como se o mundo rodasse à sua volta. Por que ele faria isso?

— Como assim?

— Sua família disse que você saiu ontem. E que sumiu. Você não passou lá hoje. Ele não passou aí, passou?

— Não. Nem sinal dele.

— Vamos esperar mais um pouco. Talvez ele apareça.

— Esperar mais um pouco quanto? Será mesmo que ele vai voltar? Tenho para mim que ele só queria um corpo feminino. Ele tem muitos números de mulheres aqui. E parece que ele tentava transar com todas. A primeira que foi fui eu. Sem contar que parece que são virgens. Eu falei com uma delas quase agora. Virgens. Elas não sabem da troca de corpo. Acordarão desnorteadas demais. Não saberão o que fazer. Nesse meio tempo, já é tempo o suficiente para que ele fuja.

Fernanda se calou por um tempo. Letícia não acreditava no quão boba havia sido. Uma idiota. Ela se entregara para um homem que mal conhecia. Talvez tivesse que ter esperado mais tempo. Era por isso que as pessoas esperavam. Só transavam com gente que realmente gostavam. Em quem confiavam. Conhecia Hugo há dois meses só. E ele a conquistou com sua fala fácil e seu jeito romântico. Sentia-se a pessoa mais burra de todo o mundo.

— Olha, a gente pode continuar procurando. Sabendo se alguém viu seu corpo. E esperar e torcer para que apareça logo. É a única coisa que podemos fazer. Está bem?

— Sim. Está bem.

Fernanda desligou o telefone. Letícia se dirigiu ao banheiro. Encarou o espelho, reconhecendo aquele rosto que adorava beijar. Um rosto que sempre lhe parecera agradável, agora lhe soando nojento. As lágrimas não paravam de escorrer. Ela não sabia o que fazer além de chorar. Chorar sem parar.

O Sexo Dos OutrosWhere stories live. Discover now