Capítulo 1

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Capítulo 1

O dia ainda não havia amanhecido.
Os galos ainda não haviam cantado, entretanto, Emirelle já havia levantado e estava à descer pelos campos, uma cesta feita por ela mesma pendurada em seu antebraço. O sereno da noite cobria de orvalho as plantas, seus pés descalços sentiam as gotas geladas, entretanto, aquilo não era incômodo.

Ela teria prosseguido com seu caminho, não fosse sentir a terra lhe alertando que se aproximavam. Os pés descalços sentiam a terra e as vibrações que ela lhe trazia e ela pisca, um tanto temerosa. Um arrepio lhe correu pelo corpo e ela para de respirar, imóvel fica e em questão de segundos se encontra em sinal de alerta.

Cascos de cavalos.

Haviam pessoas se aproximando da região – talvez da sua casa. Ela vira-se e volta de onde veio, andando, mas uma estranha sensação lhe apertou o peito, ela não estava sabendo dizer o que era. Algo no ar parecia ter mudado subitamente, ela conseguia farejar o medo como se fosse um aroma de um perfume. Ela quis correr de volta para a casa, sem saber o por quê estava correndo.

Ela deveria ter adivinhado que algo iria acontecer naquele dia.

Ela não havia dormido ainda, na noite anterior havia passado boa parte do tempo lendo os livros que estavam no baú do quarto de seu pai – os livros que ele não gostava que Emirelle tocasse, mas não a impedia. Havia ouvido um barulho do lado de fora da casa e não acordou seu pai para lhe acompanhar na descoberta da origem do som. Ao sair ela se deparou com uma imensidão coberta por estrelas brilhantes, uma sensação de arrebatamento lhe atingiu em cheio. Foi como se tivesse parado no tempo, e um aperto no peito surgiu – uma sutil pontada. Ela sabia que algo estava acontecendo – algo diferente que não tinha como explicar – mas naquele momento ela não queria saber, estava ocupada demais escalando as paredes da casa para chegar ao telhado e contemplar as estrelas de lá de cima.

Emirelle corria apressada para casa, praguejando mentalmente – deveria ter dado atenção àquela sensação quando surgiu a primeira vez na noite. Agora, ela corria com certo desespero, sentia pelas vibrações que corriam pelo solo que estavam cada vez mais perto.

Ela tinha de chegar antes deles.

A menina corria, os cabelos castanhos escuros balançavam atrás de sua cabeça, dançando com o vento e ela segurava a saia do vestido para não lhe atrapalhar. O canto de um pássaro soou acima de sua cabeça, enquanto corria ergueu os olhos para o céu e acima de sua cabeça, o animal planava e batia as asas novamente, chegou a pensar que ele poderia estar a acompanhando, mas o pássaro sobrevoou o caminho numa velocidade muito mais rápida a qual estava correndo e ela prestou atenção no céu. Olhava rapidamente para o caminho e para o céu, percebendo que estava ficando claro enquanto subia a colina que havia descido anteriormente.

"Eles irão chegar ao nascer do sol."

Aquela voz. A voz que não tinha timbre específico, mas que ela ouvia. A voz que não sabia distinguir se era sua mente, mas ela a ouvia. Entendia cada palavra.

Ao avistar os portões sente um alívio imenso ao ver que ninguém havia chegado ali, mas a sensação de que algo estava prestes a acontecer transbordava seu interior. Ela teria passado pela soleira da porta, não fosse o som de cascos de cavalos ao longe invadirem seus ouvidos.

Por um momento ela temeu olhar para trás, mas não seria isso que lhe amedrontaria, afinal ela era filha de Alyssa, A Filha da Lua. Não poderia se permitir sentir medo naquele momento, e, ao virar o rosto para trás, avistou homens trajados igualmente.

Cavaleiros do Rei.

Irreconhecível brasão, estampados em suas túnicas fechadas, mas de longe ela sabia bem que por debaixo haviam armaduras pesadas e reluzentes. E, ela teria entrado e chamado seu pai, entretanto a mesma virou-se e os fitou de longe, esperando que chegassem até onde estava.

Haviam cinco cavaleiros, todos montados em seus alazões. Dentre eles havia Marcopov, um rapaz que havia conhecido quando mais nova brincando pelas regiões livres da província. Ele estava longe de casa, havia se perdido ao entrar no bosque, o que resultou numa noite em sua casa e seu retorno para sua família de manhã – sempre o reconheceria, haviam brincado a noite inteira e conversado inúmeras coisas. Ela já tinha conhecimento sobre a energia das pessoas – ela reconheceria a energia dele sempre.

Marcopov estava crescido, já não possuía mais o mesmo ar infantil que se lembrava. O cabelo era castanho claro, puxado para o a cor do cobre quando iluminado pela luz do sol. Suas feições faciais agora eram másculas, não havia vestígio algum do menino que havia conhecido um dia, não fosse o formato do rosto e algo sutil em seu olhar acastanhado. Em cima de seu alazão, ele parecia intocável e até mesmo um tanto perigoso, entretanto, Emirelle não se deixou demonstrar nada em seu rosto enquanto eles se aproximavam cada vez mais, até pararem com os cavalos bem em frente à casa.

Ela engole a saliva e umedece os lábios, sentindo um frio na barriga crescer, mas decide tomar a palavra antes de qualquer um.

- Bom dia – a voz da menina falha e ela pigarreia para limpar a garganta – À que devo ilustre visita?

Marcopov a observava de cima de seu cavalo, enquanto seus homens desciam e seguravam as rédeas. O olhar duro, uma barreira claramente construída por longos anos – Emirelle sentia que sequer era capaz de descrever ou entender as coisas que aqueles olhos já tivessem presenciado, e, ao perceber isto, um sutil arrepio lhe corre pelo corpo.

Marcopov ainda não havia pronunciado palavra alguma, ele observava a pequena criatura à sua frente, tão... Parecia ser tão solta. Isto é, os cabelos estavam soltos, um tanto quanto bagunçados, a barra do vestido estava mais escura – talvez suja de terra úmida. E... Ela estava descalça?

Emirelle pigarreia, ao notar o olhar do rapaz descer até seus pés, mas eles tornam a pousar em seu rosto. Suas sobrancelhas discretamente repuxadas era o claro sinal de que tentava esconder o incômodo.

- A Guarda Real pode me responder? – mais uma vez a voz de Emirelle é ouvida.

Os quatro homens descidos de seus cavalos, voltaram o rosto para olhar para Marcopov, que permanecia calado olhando para a moça parada mais à frente. Então, um dos homens, o qual possuía cabelos loiro escuro preso para trás com uma fita de cetin, toma um passo a frente, colocando a mão fechada em punho sob os lábios e pigarreando discretamente. Quando torna a abaixar a mão, estufa o peito e respira fundo, o rosto redondo mostrando certo desconforto... Ou parecia ser medo?

Emirelle piscou, esperando. Mais alguns segundos se passam.

- Viemos à mando de nosso Rei Lebarc Angustt Quo II – as linhas de sua testa tornavam-se mais acentuadas por sua expressão que não demonstrava conforto. Por um momento, Emirelle sentiu-se alvo daquilo.

Nosso Rei.

O queixo da moça se ergue levemente – nunca seria devota ao homem. Nunca. E aquele homem dizer "nosso" a incomodou profundamente, entretanto, mais uma vez, não deixou transparecer nada em seu rosto. Ela sabia bem o que aqueles homens faziam ali, fora treinada para aquilo. Entretanto, ela teria de deixar as coisas acontecerem por si só.

- O Rei está morto. – pela primeira vez, a voz de Marcopov é ouvida, uma voz grave. – E sabemos o que significa, não se finja de tola.

THRONOS I - ASKARIANOnde histórias criam vida. Descubra agora