Seis

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Não demorou muito para que chegássemos ao local da reunião. No caminho, tia Luíza ligou para Márcia e confirmou se era necessário cadastro ou tinha alguma burocracia. Apesar de querer ouvir um "sim, provavelmente as vagas já tenham até acabado", a voz doce dela saiu pelo alto falante como um trovão ressoando que eu já estava cadastrada, e só deveria ir até lá. No fim, ela sabia que eu iria. Ou não, só arriscou; e acertou.

     Tia Luíza parou o carro em frente a um prédio retangular, de três andares. Tinha um comprimento largo e parecia querer me engolir. Encarei os enormes vidros intercalados por vigas de aço e cimento. Era moderno e amedrontador.

     — Não quer mesmo que a gente fique? Não tem problema pra mim, tenho o dia livre hoje — ela tamborilou os dedos no volante.

     — Acho que não precisa, tia. Mas obrigada, me trazer já foi uma enorme ajuda.

     — Mãe, pega a pirralha e vão passear, eu fico com a Lena — Julia se ofereceu tão gentilmente que todas nós a encaramos, literalmente perguntando com o olhar se ela havia esquecido estar de castigo e ter tido uma discussão acalorada com a mãe.

     — É... Claro! Márcia disse que acaba às duas, até lá eu Alice já pegamos um cinema.

     Nos despedimos e enquanto Julia ia na frente radiante, eu podia sentir meus pés integrando o asfalto, criando raízes e me prendendo. Só precisava subir os degraus, acenar para as pessoas sentadas no percurso, atravessar a porta de vidro e finalmente estar dentro do recinto. Pouca coisa. Depois só vou precisar falar da minha vida e de como não consigo resolve-la.

     — Se a gente ligar pra sua mãe agora, ela consegue dar meia volta e nos buscar, não é? Acho que não consigo.

     — Ela provavelmente vai levar uma multa por ter parado aqui, no meio fio, em uma avenida, e demorado mais que o suficiente. Não vamos fazer isso com ela, não é?

     Óbvio que havíamos demorado. Julia não conseguia tirar o cinto, depois perdeu um batom embaixo do carro e ainda levou uma eternidade para colocar os sapatos. De propósito, para se vingar. E com certeza minha tia repararia nisso, se a multa chegasse.

     — Não acredito que você fez isso, Julia.

     — O assunto não sou eu. Vamos lá, você consegue. Se achar que não dá conta, a gente sai correndo, está bem?

     Eu havia desistido de viver, mas fiz o máximo para que ninguém soubesse disso. Nunca quis preocupar ninguém ou ficar sob olhares o dia inteiro, para que não tentasse nada. Mas cansava, doía. Era um peso que eu nunca, em hipótese alguma, tirava das costas.

     O que poderia dar errado? Não havia monstros no prédio, somente no meu peito, me arrastando para longe. Hoje, ele não faria isso. Segurei a mão de Julia, abaixei a cabeça, e dez segundos depois, estávamos atravessando a porta.

     Não tinha mais volta. 


Do lado de dentro era ainda mais bonito e elegante. O piso reluzia, o teto de vidro deixava tudo mais claro, e as plantas na parede exalavam um perfume maravilhoso. Oposta à parede de plantas, havia um balcão enorme de madeira, com duas atendentes. Julia foi até lá pedir informações, enquanto eu olhava, fascinada, uma cachoeira artificial, que tomava todo o resto da parede onde o balcão estava. A água cristalina, calma no leito, intensa na descida.

     Só saí do fascínio quando Julia colocou a mão em meus ombros.

     — Vamos? Estamos quase atrasadas.

Filhos do AmanhãOnde histórias criam vida. Descubra agora