A SEREIA AEWESH

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    — Sereia! Veja, pai! Tem uma sereia ali — gritou o garoto de sete anos e de cabelos loiro-palha, surpreendido ao se deparar, à sua esquerda e à beira-mar, com uma criatura deitada de costas sobre as areias, quase escondida em meio a rochas e espumas.

    Ele então largou a mão do pai e caminhou na direção dela.

    — Fique longe, Griddin! Quer ser devorado?! — exclamou o homem.

    Era um entardecer muito frio, típico daquelas terras.
    Só havia eles naquela praia deserta. Gwydihan Fearghasdan fez um gesto para que o filho subisse na rocha mais alta ali perto. Estavam muito perto do mar, e isso representava um sério perigo se por acaso aquela sereia imóvel reagisse. O menino obedeceu; cauteloso com as rochas negras e úmidas, foi escalando e pulando poucas delas até alcançar o topo seco de uma com quase dois metros de altura. Sentou-se ali.

    — Pelos deuses abandonados! O que ela faz aqui? Há décadas que nenhuma é vista por estas praias — disse o pescador, entregando ao filho sua longa vara de pesca com um cesto artesanal na ponta, vazio, e retirando a afiada faca da cintura, embaixo do casaco marrom. Um pequeno sorriso e um brilho nos olhos escuros surgiram em seu semblante de trinta e poucos anos com maxilar quadrado, cuja rala barba de fios negros contrastava com a pele clara. — Filho, não queira imaginar o quanto os reis pagam para ter uma sereia dessa enfeitando um de seus salões; eles têm os melhores especialistas na arte de embalsamar. Já os soberanos do Norte pagam dez vezes mais e preferem manter essas criaturas vivas em aquário; só que estes moram muito longe, impossível uma viagem segura até lá sem chamar a atenção. Estamos com sorte, Griddin! As sereias são mais valiosas do que os tritões.

    Ambos então sentiram um odor muito forte sendo exalado do corpo dela.

    — Pai, se ela estiver viva você vai esfaqueá-la? Ela vai estar igual a um peixe estragado quando você for vendê-la. O castelo do rei mais próximo, em Godran, está a alguns dias de distância daqui. Ou você vai levá-la para o Porto de Braá? Mas lá não tem rei.

    — Por acaso me acha tolo? O destino foi benevolente conosco; olhe o que ela trouxe consigo, grudadas no corpo... masglas — retrucou Gwydihan, aproximando-se da mulher-peixe. Agachou-se. Pôde ver que ela respirava com dificuldade e encontrava-se endurecida. — Sim, ela está viva. Essas algas venenosas grudam feito sanguessugas, só que com mais força, enrijecem alguns músculos e bloqueiam a voz. Em humanos, elas matam em algumas horas se não forem retiradas a tempo; porém, a fala só retorna depois de uns dez dias, e as partes paralisadas só voltam ao normal depois de uns doze ou treze. Já em sereias, eu não sei quanto tempo essas consequências levam.

    Com o lado não cortante da faca, o pescador começou a raspar e descolar as masglas do corpo dela. Ela estava com os olhos abertos e vidrados, fixando o céu. Porém, de repente, suas pupilas encontraram-se com os olhos dele. Gwydihan subitamente se assustou, sem demonstrar essa emoção. Não deixou de admirar em pensamentos o formato daqueles olhos e a cor das íris: eram grandes e puxados, de um salmão bem claro e vivo. Era uma sereia jovem e de traços harmônicos para a espécie, com certeza pagariam com muitas jóias, ouro e prata para tê-la.
    Uma outra onda gelada veio e cobriu-a de espumas, levando as masglas que o pescador ia retirando.
    O mar mantinha-se agitado naquela tarde em que o sol brilhava fraco durante todos os dias do ano.
    Ela então abriu um pouco a boca, revelando dentes pequenos e cerrados que encaixavam perfeitamente a arcada superior com a inferior. Parecia que tentava dizer algo, mas somente um gemido fraco e agudo, quase engasgado, pôde ser escutado.

    — Tape os ouvidos! A voz dela tem feitiço! — gritou Griddin, com as palmas nas orelhas.

    — Quem anda lhe contando essas histórias? — disse o pai, olhando para o filho. O garoto afrouxou as mãos. — Todos nós sabemos que nem as sereias nem os tritões conseguem enfeitiçar. Apesar de eles terem uma magnífica voz e cantarem muito bem, não possuem magia em seus cantos.

A sereia Aewesh - Nahur GarbaOnde histórias criam vida. Descubra agora