Há cerca de cinco minutos Gabriel estava parado a porta da cozinha observando a mãe, distraída, lavando a louça do almoço.
— Mãe?
— Que foi Gabriel? – respondeu sem se virar.
— Eu tenho que te contar algo... – Fez uma pausa para verificar se ela prestava atenção nele.
— O quê? – perguntou virando-se para o filho enquanto secava as mãos.
— Sabe o Marquinho, meu amigo?
— Claro, né? Ele vive aqui em casa! Vocês dois não se desgrudam.
— Então, eu estava pensando... – disse inseguro sem terminar a frase.
— Desembucha menino, tenho que terminar de limpar a cozinha.
Gabriel respirou fundo e num átimo de coragem desabafou.
— Eu acho que gosto dele.
A mãe ficou pensativa.
— Claro que gosta – afirmou com o semblante carregado de dúvida - Vocês são amigos.
— Não, mãe. Eu gosto dele – repetiu dando ênfase na palavra “gosto”.
Assim que ela compreendeu o sentido da conversa, primeiro caiu aos prantos, depois acreditou que era apenas uma fase da adolescência, e finalmente, pôs a culpa no amigo de Gabriel, proibindo-os de conversarem ou se verem, ou de ver qualquer pessoa, ficou de castigo durante dias sem poder sair do quarto, sequer para ir para a aula. A mãe ligou para a escola informando que ele adoecera e ficaria em casa por alguns dias. O pai não foi informado, de acordo com a mãe, dessa fase pela qual Gabriel passava. Não queria matar o pai de vergonha e se Gabriel achava que ela era rude por deixá-lo de castigo, que esperasse até o pai saber das amizades que ele andava.
Gabriel primeiro se arrependeu de sua confissão, depois, mesmo com o castigo, sentiu-se mais livre e feliz consigo mesmo. Mesmo assim sabia que com o pai seria bem pior. O pai sempre se dedicou ao trabalho para nunca deixar faltar nada em casa, exceto amor e um pouco de atenção. Era rude, autoritário e ausente. Na melhor das hipóteses, expulsaria Gabriel de casa, mas sua disposição era maior que o medo, assim que o pai voltasse de viagem, contaria independentemente dos protestos silenciosos da mãe, que mal lhe olhava no rosto.
No sábado à noite a mãe foi ao culto, quando voltou, parecia feliz, se comparada aos dias anteriores. Preparou o jantar e chamou Gabriel.
— Filho, desculpe a forma como tenho agido com você ultimamente – desculpou-se enquanto jantavam – nada disso é culpa sua e nem desse seu amigo, o Marquinho.
Gabriel parou de comer e olhou desconfiado para mãe. Não podia ser tão fácil assim. Havia algo errado. Mesmo assim, aceitou as desculpas.
— Tudo bem, mãe, eu sei que você não esperava por isso.
— Que tipo de mãe que eu seria se não apoiasse meu próprio filho nessas horas? – respondeu tocando a mão de Gabriel – Hoje no culto conheci uma pessoa excelente que me abriu os olhos. O nome dela é Marisa, ela é uma psicóloga cristã. Eu conversei muito com ela, que me explicou que você está sofrendo uma desordem psíquica, é uma doença, sabe? Esse pessoal da saúde gosta de dar nomes difíceis pras coisas. Você está doente, filho. O melhor é que com o tratamento adequado, você pode se curar. Ela é muito boa, disse que vários pacientes delas deixaram de serem homossexuais, mesmo os mais velhos, mas quanto mais cedo mais fácil. Ela dá palestras para o Brasil inteiro sobre como essa doença do homossexualismo vem se espalhando, e orientando os pais a levarem seus filhos num especialista, caso observem que ele está demonstrando algum sintoma gay.
— Do que você está falando, mãe? – perguntou confuso.
— Eu já marquei uma consulta pra você coma doutora Marisa, para segunda-feira, filho. Foi Deus quem a colocou no nosso caminho nessa hora de provação.
— Consulta? – repetiu puxando a mão e se afastando do contato da mãe – Eu não estou doente, mãe. Eu sou gay – esbravejou.
— Você está doente, Gabriel, entenda isso – disse a mãe com lágrimas nos olhos.
— Você está doente – retrucou – Eu não vou fazer nenhum tratamento. Eu sou gay. Eu amo ser gay. E amo o Marquinho. Finalmente estou feliz em poder dizer isso em voz alta. Não será você ou uma psicóloga de merda que vão mudar quem eu sou.
— Gabriel Henrique! – gritou batendo com a palma da mão na mesa – Você tem apenas quinze anos, eu ainda mando em você e você fará esse tratamento nem que eu tenha que interná-lo. E pode apostar que farei isso se você me desafiar. Não terei um filho gay – seus olhos faiscavam de raiva.
Gabriel virou as costas e saiu em direção à porta.
— Se você passar por essa porta, garoto, não ouse voltar a por os pés nesta casa!
Ele hesitou por um segundo e saiu para a rua, batendo a porta às suas costas. Foi ao único lugar que poderia receber um pouco de conforto naquele momento, a casa de Marquinho. Desde que contara para sua mãe, falara pouco com ele, trocaram apenas algumas mensagens de texto pelo celular. Marquinho até se dispôs a ir até a casa de Gabriel conversar com a mãe dele, mas decidiram que seria melhor esperar uns dias até tudo se acalmar.
Encontrou o namorado sentado na calçada em frente da casa dele. Os dois se abraçaram e sentaram. Marquinho afagou-lhe o cabelo e deu um beijo no rosto.
— E aí? – perguntou Marquinho - Como estão as coisas na sua casa?
— Minha mãe está louca – respondeu Gabriel – ela quer que eu faça um tratamento psicológico.
— Talvez seja uma boa ideia – disse olhando para o outro lado da rua – Um psicólogo pode ajudar você a superar o preconceito, e sua mãe a ver que não há nada de errado em gostar de alguém só porque é do mesmo sexo.
— Não, Marquinho, você não entendeu – segurou o rosto dele, olhando-o nos olhos – minha mãe acha que ser gay é doença. Uma psicóloga da igreja que ela frequenta disse que pode me curar.
Marquinho riu.
— Como assim curar? É piada isso, né, Gabi?
— Não, não é. Minha mãe quer me internar se eu não aceitar ir às consultas. A psicóloga disse pra ela que já curou muitos gays... – explicou.
— Cura gay de cu é rola! – indignou-se Marquinho – Que porra é essa? Eu já tinha lido algo na internet, mas não achei que as pessoas eram realmente estúpidas para achar que se pode curar um homossexual. Eu até li uma reportagem de um jornalista medíocre, Reinaldo-alguma-coisa, dizendo que os psicólogos deveriam fazer experiências científicas para saber se é possível fazer um gay gostar de boceta. Dá pra acreditar? Sabe quem faziam esse tipo de experiência? Os nazistas! Em nome da medicina, eles fizeram um monte de bizarrices com seres humanos. Amputavam pessoas e costuravam seus membros em outras, ou mesmo membros de animais para experimentar... E adivinha só? Eles faziam isso com as minorias. O que eles vão fazer conosco? Transplante de cérebro? De consciência? Vão amputar parte do que nós somos e colocar uma consciência nova pra ver se funciona? Vão ficar esfregando vaginas na nossa cara até a gente gostar? Vão amputar parte nossa personalidade? É isso? Bando de filho da puta preconceituoso do caralho. Só queria ver se pais gays quisessem levar o filho num psicólogo para curar a heterossexualidade dele! Bando de hipócrita. O que você vai fazer, Gabi? – perguntou, por fim, preocupado.
— A única coisa decente nessa história toda... – respondeu ele com um sorriso – Ficar com você.