A neblina do inverno cobria a cidade cinzenta como um véu diáfano, se estendendo como se fosse infinita. Ana caminhava a passos rápidos pela avenida, calçando botas no lugar de seu amado All Star. Um dos fones tocava uma música folk em seu ouvido, enquanto o outro balançava pendurado em seu ombro. De vez em quando, enjoava de escutar dos dois lados, e precisava equilibrar as sensações.
Não sabia exatamente como havia adormecido antes das sete, se nem havia acordado tarde para trabalhar no dia anterior. Parecia que toda a cafeína em seu corpo tivesse decidido ir embora sem aviso, trazendo com força total o cansaço que adiara.
A ponto de fazê-la se atrasar meia hora.
E agora, teria que prestar contas em dobro. Provavelmente seus turnos seriam dobrados, mas duvidava que resultaria em uma demissão. Não quando o pequeno bistrô só tinha dez funcionários, entre eles dois estagiários. Eles precisavam dela e vice versa. Além disso, seria de muito mau gosto que eles a mandassem embora, e provavelmente Lola os processaria por capacitismo.
Ana atravessou a última rua que a separava de seu trabalho, tirando os fones e evitando revirar os olhos ao ver quem a esperava em frente às portas de vidro pintadas com flores. Taelor a olhou de cima a baixo, erguendo a sobrancelha ao notar a ausência dos All Star vermelhos.
- Extremamente atrasada. - falou, jogando o avental verde água para a amiga. - Julie vai te matar.
- Ela já tentou fazer isso antes. - Ana disse, mal se dando tempo para tomar um fôlego antes de amarrar o avental sobre as roupas geladas, correndo para dentro do bistrô.
- Dessa vez é pra valer. - Tae disse, prendendo um fio dourado que escapou do coque. - Ela chegou irritada hoje, e garanto que não tinha nada a ver com você.
Ana quase soltou um suspiro de alívio, mas parou ao absorver o resto da frase.
- Tinha? - perguntou, arregalando os olhos.
Tae desviou o olhos verdes para as tortas de morango sobre o balcão, brincando com os dedos. Pelos deuses, que não fosse o que ela estava pensando.
- Eu meio que me antecipei... Achei que ela já soubesse da sua falta.
Ana bateu na parede.
- Taelor! Não acredito.
- Me desculpa. - a amiga implorou, erguendo as mãos em um gesto de defesa. - Eu só queria ajudar.
Ela tentou sentir raiva da amiga, mas não conseguiu. Sempre fora assim, uma não desgrudava da outra desde o fundamental, e isso não ia mudar nada. Afinal, era esperado que descobrissem.
- Tá, tá. - disse, suspirando. Não importa.
- O que não importa? - uma voz jovem, porém rígida, falou atrás dela. - Seu atraso ou aquele cliente esperando pelo pedido há dez minutos?
Taelor encarou a patroa, os olhos arregalados, mas correu, murmurando um "me desculpe".
- Bom dia Julie... - Ana cumprimentou, sem graça.
- Bom dia, Foster. - a mulher acenou com a cabeça. - Mesa quatro. Parece que os estagiários pegaram uma epidemia de preguiça. Em todos esses anos nessa indústria...
E saiu resmungando pelo bistrô, enquanto Ana pegava os pedidos e distribuía pelas mesas. Às vezes, quando passava por situações comicamente estúpidas, sentia falta do ensino médio. Tempos mais simples, em que ela, Taelor, e Michael iriam até uma lanchonete comer um parfait, fofocar e esperar pela irmã de Taelor sair do trabalho. Mas já tinham se formado havia algum tempo, Thalia estava estudando na Inglaterra e Michael voltara para o interior com os pais. Assim, realmente teria que esperar até o verão para ter a chance de reunir o grupo novamente.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Aurora | Adhara: Deraia - Livro I
Fantasy🏅#1 no concurso Aventuras Literárias 🏅#1 em Capa no concurso Raposa de Ouro Uma história sobre sonhos, reinos mágicos e autoconhecimento. Para Ana Foster, cujo horizonte não se limita à antiga cidade onde vive, todos temos nosso legado. Nossa hist...