Capítulo 3

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A neblina do inverno cobria a cidade cinzenta como um véu diáfano, se estendendo como se fosse infinita. Ana caminhava a passos rápidos pela avenida, calçando botas no lugar de seu amado All Star. Um dos fones tocava uma música folk em seu ouvido, enquanto o outro balançava pendurado em seu ombro. De vez em quando, enjoava de escutar dos dois lados, e precisava equilibrar as sensações.

Não sabia exatamente como havia adormecido antes das sete, se nem havia acordado tarde para trabalhar no dia anterior. Parecia que toda a cafeína em seu corpo tivesse decidido ir embora sem aviso, trazendo com força total o cansaço que adiara.

A ponto de fazê-la se atrasar meia hora.

E agora, teria que prestar contas em dobro. Provavelmente seus turnos seriam dobrados, mas duvidava que resultaria em uma demissão. Não quando o pequeno bistrô só tinha dez funcionários, entre eles dois estagiários. Eles precisavam dela e vice versa. Além disso, seria de muito mau gosto que eles a mandassem embora, e provavelmente Lola os processaria por capacitismo.

Ana atravessou a última rua que a separava de seu trabalho, tirando os fones e evitando revirar os olhos ao ver quem a esperava em frente às portas de vidro pintadas com flores. Taelor a olhou de cima a baixo, erguendo a sobrancelha ao notar a ausência dos All Star vermelhos.

- Extremamente atrasada. - falou, jogando o avental verde água para a amiga. - Julie vai te matar.

- Ela já tentou fazer isso antes. - Ana disse, mal se dando tempo para tomar um fôlego antes de amarrar o avental sobre as roupas geladas, correndo para dentro do bistrô.

- Dessa vez é pra valer. - Tae disse, prendendo um fio dourado que escapou do coque. - Ela chegou irritada hoje, e garanto que não tinha nada a ver com você.

Ana quase soltou um suspiro de alívio, mas parou ao absorver o resto da frase.

- Tinha? - perguntou, arregalando os olhos.

Tae desviou o olhos verdes para as tortas de morango sobre o balcão, brincando com os dedos. Pelos deuses, que não fosse o que ela estava pensando.

- Eu meio que me antecipei... Achei que ela já soubesse da sua falta.

Ana bateu na parede.

- Taelor! Não acredito.

- Me desculpa. - a amiga implorou, erguendo as mãos em um gesto de defesa. - Eu só queria ajudar.

Ela tentou sentir raiva da amiga, mas não conseguiu. Sempre fora assim, uma não desgrudava da outra desde o fundamental, e isso não ia mudar nada. Afinal, era esperado que descobrissem.

- Tá, tá. - disse, suspirando. Não importa.

- O que não importa? - uma voz jovem, porém rígida, falou atrás dela. - Seu atraso ou aquele cliente esperando pelo pedido há dez minutos?

Taelor encarou a patroa, os olhos arregalados, mas correu, murmurando um "me desculpe".

- Bom dia Julie... - Ana cumprimentou, sem graça.

- Bom dia, Foster. - a mulher acenou com a cabeça. - Mesa quatro. Parece que os estagiários pegaram uma epidemia de preguiça. Em todos esses anos nessa indústria...

E saiu resmungando pelo bistrô, enquanto Ana pegava os pedidos e distribuía pelas mesas. Às vezes, quando passava por situações comicamente estúpidas, sentia falta do ensino médio. Tempos mais simples, em que ela, Taelor, e Michael iriam até uma lanchonete comer um parfait, fofocar e esperar pela irmã de Taelor sair do trabalho. Mas já tinham se formado havia algum tempo, Thalia estava estudando na Inglaterra e Michael voltara para o interior com os pais. Assim, realmente teria que esperar até o verão para ter a chance de reunir o grupo novamente.

Aurora | Adhara: Deraia - Livro IOnde histórias criam vida. Descubra agora