Tudo era tão melhor quando se tinha chocolate! Era o mantra de Ana desde que se entendia por gente. Ela havia acabado com todos os bombons que comprara no bistrô e já atacava o bolo de cenoura, sentada na pequena varanda abaixo de sua janela.
A jovem observou a Castle Street à distância, suas luzes lentamente se acendendo para mais uma noite fria. Em algum lugar, alguém tocava uma música tradicional em gaita de foles, a melodia preenchendo seus ouvidos junto com o uivo do vento. No céu, poucas constelações brilhavam entre as nuvens.
- Pensei que a encontraria aqui. - a voz de Lola preencheu seus ouvidos, se aproximando. - Quer conversar?
Ana se virou para observar a tia no parapeito da janela, a olhando com timidez. Para outras coisas ela não é assim tão tímida, a garota pensou, mas balançou a cabeça. Não era hora para pensar nessas coisas.
- Não - respondeu, simplesmente.
- Está chateada?
A jovem balançou a cabeça milimetricamente. Não sabia o que estava sentindo de verdade. Chateação, confusão, medo...era tudo igual. Todas as coisas martelando em sua cabeça, um nó invisível na garganta.
- Quando temos dúvidas, geralmente procuramos respostas - prosseguiu Lola, ajeitando os cabelos escuros da sobrinha, que sussurrou:
- Não sei se quero ouvi-las agora.
- Sempre foi curiosa, assim como sua mãe. - a tia baixou o tom da voz. - E ela gostaria que conhecesse a verdade, um dia.
Engraçado. Muito engraçado.
- Você pretendia contar? - Ana soou mais acusatória do que deveria, mas insistiu quando a tia permaneceu em silêncio. - Hein, Lola?
Silêncio. Ela revirou os olhos, se preparando para engolir mais um pedaço de bolo.
- Nunca. - Lola suspirou. - Você estaria a salvo aqui, comigo.
- A salvo daquelas coisas? - Ana ergueu uma sobrancelha. - Porque provavelmente eu teria sido treinada. Não sou fraca.
- Não... - a tia olhou para o horizonte, as ruas abaixo se entrelaçando entre as luzes. Uma sombra pareceu passar por seus olhos. - Mas há um mal no mundo, um muito maior que os Storumm.
- Maior...- a sobrinha sussurrou, olhando ao redor como se, de alguma forma, pudesse ver uma sombra pavorosa surgir das nuvens antes de arrebatá-la.
Mas Lola tocou seu ombro, tranquilizando-a. Na grade da varanda, pequenas linhas luminosas passeavam, e então a garota pôde perceber a magia presente ali. Se prestasse atenção, conseguia ver uma fina névoa que constituía o campo de força.
A magia se revelava para ela de formas inimagináveis e espantosas.
- Sua mãe - a tia continuou -, assim como muitos de nós, fez um sacrifício para proteger o bem maior... você.
A menina a observou contemplar a cidade e o céu estrelado, uma onda de emoções passando por um milésimo de segundo pelos seus olhos azuis. Às vezes Ana se esquecia que sua tia envelheceria; linhas discretas já marcavam sua testa por tanto franzi-la, e outras começavam a surgir nos cantos dos olhos. Os olhos de uma garota presa no corpo de uma mulher ainda não preparada para o fardo de criá-la desde tão cedo. Os olhos que sorriam por si só e transmitiam conforto e doçura, até quando estavam irados.
Ana amava a tia. Mesmo que tivesse seus pais e uma família grande, sabia que a amaria da mesma forma. Mesmo que nem sempre entendesse o que os outros estavam sentindo, fazia qualquer esforço por ela. Sorrindo levemente, ela tocou na mão fria de Lola e sussurrou:
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Aurora | Adhara: Deraia - Livro I
Fantasi🏅#1 no concurso Aventuras Literárias 🏅#1 em Capa no concurso Raposa de Ouro Uma história sobre sonhos, reinos mágicos e autoconhecimento. Para Ana Foster, cujo horizonte não se limita à antiga cidade onde vive, todos temos nosso legado. Nossa hist...