Capítulo Único - Filho.

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Tony soube que ainda tinha algo a perder desde a primeira vez que o viu, tão inocentemente confuso, deslumbrar-se com a presença de alguém que pensava sequer merecer aquele olhar tão genuinamente admirado.

Não que um dia fosse admitir, de qualquer forma. Não que tal conclusão parecesse fazer alguma grande diferença em sua vida quando sua comum prepotência dizia-lhe em alto tom que mantê-lo numa área específica e dizer-lhe para se tornar alguém melhor seria o suficiente para mantê-lo seguro. Naquela época, o grandioso Homem de Ferro acreditou que o garoto, que de fato parecia animado com a ideia de tê-lo como um suposto "mestre", não necessitaria de tamanha preocupação. Mas fora inevitável; cada passo de Peter fazia-o ter novas rugas, fossem nas bolsas dos olhos, fossem nos cantos dos lábios. E antes que percebesse, muito mais que mestre, se tornara padrinho, instrutor, amigo. Parker fundira-se com Stark; e, dessa forma, tornara-se tudo.

Nunca fora bom com sentimentos. Nunca conseguira dizer, ou agir, de forma que esclarecesse como realmente se sentia. Mas até suas barreiras instantâneas de energia nuclear e ligas de ferro tinham brechas. A constante irritação demonstrada na companhia do menino nada mais era que nervosismo e preocupação. Tinha poucas noções de como agir, poucas instruções de como guiá-lo, muito medo de corrompê-lo, natural e novo instinto para protegê-lo.

Nunca achou que fosse perdê-lo.

"Eu não quero ir."

E se Stark fizera, algum dia, aquele desejo aos céus, agradecia por terem atendido, mas amaldiçoava por não ter notado-o. Se algum dia seus olhos, tão castanhos quanto os dele, haviam chegado a mirar um céu tão confusamente amarelado e isento de brilho quanto o que agora encarava, com lágrimas tão salgadas e costas tão pesadas, e feito aquele desejo simplório, ele já não se lembrava mais.

"Você nunca irá" era o que esperava ter respondido. Era o que queria. Era o que sua boca tentou, em vão, murmurar, em meio a um pedaço de sua própria existência que apagava-se no vácuo.

Entretanto, pediu-lhe apenas calma. A calma que ele mesmo já não tinha, as lágrimas que pouco foram desafiadas a serem contidas. Em muitos anos, Anthony chorou. Conheceu dentro de si mesmo uma dor que jamais pudera conhecer. E, naquele momento, descobriu-se falho. Tão cheio de falhas e erros que de ferro tinha apenas título e armadura.

Sozinho, não de forma física, mas de todas as outras. Vazio, tanto quanto os braços que acolheram objetivos tão ingênuos que chegavam a ser utópicos. Peter sabia o que era ser herói. Tony, entretanto, sabia ser apenas Tony. E ser Tony era, de forma ácida, o oposto de ser herói.

Talvez por isso nunca tenha entendido, de fato, como Peter o tinha como herói.

Tivera o sonho em suas mãos, e o vira sumir em meio a clamores de uma criança confusa e assustada, que buscou no colo que ainda lhe restava um acolhimento para seu temor. Os lábios ressecados entreabriram-se. E deles, a única palavra restante saltou, trêmula, nasalada.

Em meio a um planeta devastado, soube o que era sentir-se devastado também.

"Filho."

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