—Pai, eu não quero ir!
—Anne, tente entender...
—É sempre a mesma história, mesma conversa!
—Querida, não vamos demorar dessa vez. Eu prometo!
—"Não vamos demorar" tsc... Aí então ocorre um imprevisto e o laboratório pede pra você ficar até ser resolvido e blá, blá, blá. Poderia ter me deixado com a vovó! —Cruzo os braços e viro em direção ao meu quarto — a companhia dela seria bem mais agradável do que uma pilha de livros e um toca discos — resmungo.
—Achei que você gostasse de ler...
—Pai! Estamos no século XXI e eu tenho 15 anos. Minha cativação por livros não é nada comparada a necessidade do contato social! Garotas normais da minha idade estão curtindo o colegial
E assim se segue a viagem. I Write Sins Not Tragedies em loop nos 28% que restava no celular. Tudo parecia ter ficado mais lento dentro do carro. Mesmo que não dissesse nenhuma palavra, conseguia ouvir meu pai me pedir desculpas com os olhos que vez ou outra desviavam da estrada. Puxo um casaco do meu pai de uma bolsa com estampa militar que estava no banco de trás. O casaco deve ter o dobro do meu tamanho. Foi do meu vô, mas ainda está em ótimo estado e perfeito para que eu possa me recolher sob o assento e cobrir-me para observar a paisagem que fica pra trás pelo retrovisor.
Aos poucos o cinza da cidade vai dando espaço para altas e densas árvores. A única coisa que se ouvia dentro do carro era o motor e um pequeno par de guizos que estavam no chaveiro de uma pochete azul real com dourado. Me pergunto onde será dessa vez... talvez parássemos em qualquer acostamento e fosse morar em uma casa na árvore. Seríamos algum tipo de Tarzan vivendo apenas de frutos locais... Que besteira! Até parece que meu pai viveria sem o clássico macarrão instantâneo. Espero que dessa vez tenha, ao menos, eletricidade
Dessa vez não tive tempo nem de me despedir dos meus colegas, está cada vez mais difícil ter algum tipo de convívio social. Realmente não tem como essa tarde ficar pior.
Não sei quanto tempo dormi. Já começou a escurecer. Tiro o fone de ouvido e olho para fora da janela. Estamos cercados de árvores, há apenas uma pequena estrada de barro cuja viemos que não possui nem marcas de pneu direito, prova de que não vem ninguém aqui faz tempo. Meu pai está levando as malas para dentro da casa que, como padrão, parece que foi desabitada há décadas, digna de um espírito de estimação para assombrar novos moradores. Mais uma temporada escondida do mundo, tsc. Mal posso esperar para não ter que depender mais do meu pai, quer dizer, se isso for possível.
-Anne.- Chama meu pai, na porta, tentando entrar com as malas.
- Okay, okay, eu vou ajudar...
Tiro o cinto e abro a porta. Os ventos dançam um balé clássico regado a uma melodia de grilos desgovernados e folhas. O clima frio é confortável, perfeito para quem vai passar tempo indeterminado trancada em casa. Junto o que posso de forças e sigo aos três degraus que levam ao um pequeno terraço e entro logo após o meu pai. O cheiro de mofo nos recebe com um abraço de "boas vindas". Meu estoque de antialérgico não vai ser o suficiente.
A casa é bem mais espaçosa do que parece por fora. Um grande salão de entrada com piso de madeira coberto por um enorme carpete vermelho e dourado encardido. O teto aberto até o segundo andar com um lustre de lâmpadas antigas no centro do salão e uma escada no canto direito levando para o segundo andar... Um belo baile de debutante está para começar. Avista-se 13 moças de vestidos idênticos conversando entre outros jovens, mesas e cadeiras nos cantos do salão. De repente, a orquestra muda a música e uma jovem aparece no topo da escada com um vestido semelhante ao das outras garotas, porém, mais ornamentado. Enquanto desce, um garoto, que estava em meio aos jovens, segue em direção a escada e aguarda a moça que desce as escadas. Logo dão as mãos e seguem ao meio do salão onde inicia-se uma bela dança.- Você pode pegar as outras duas que estão no porta malas?
Ponho as malas no chão e vou ao carro pegar as restantes.
- Pega a lanterna que fica embaixo do banco, por favor!-grita ele lá de dentro.
-Okay-digo fechando já o porta malas.
Tiro tudo do carro sigo para a casa, meu pai já levou uma das malas para a cozinha que fica atrás da porta no início da escada. Pego minha mala de roupas e passo a lanterna para meu pai que inicia a subir as escadas. Embora antigas, elas parecem bem firmes. Atrás dele, subo as escadas "desenhando" no corrimão empoeirado e contando os degraus. 21, são eles.
Do lado direito do topo da escada há uma porta para um quarto e ao lado esquerdo um corredor com vista total para o salão. O lustre visto de perto é ainda mais belo. Há mais três portas ao decorrer do corredor. A primeira porta guarda um banheiro consideravelmente grande. Uma banheira bege se destaca em meio a tantas antiguidades. A segunda porta leva para um quarto que não há mobílias além de uma cama . A terceira porta é um outro quarto um pouco menor que o primeiro com grandes armários e algumas espécies de manequins de ferro, aparentemente funcionava algum ateliê nesse quarto.
E no final do corredor mais uma porta. Esse quarto era maior que o primeiro, possuía móveis de madeira escura com curvas esculpidas, uma janela em direção a frente da casa e dois abajures de chão juntos na parte mais distante da janela.
- Esse será seu quarto.- diz meu pai.
-Pai, eu só tenho três malas. Aqui o senhor poderia organizar bem melhor suas máquinas.
- Não, não. Fique com este. O outro também é bem espaçoso- ele dá uma risada de vai ficar tudo bem, meio sem jeito.
Deixo minha mala no canto da parede e vou ajudar meu pai a pegar as outras. Enquanto ele tenta religar a energia da casa tento me conectar a alguma rede nos 3% que restava do pobre guerreiro (o 1% sempre dura mais que os últimos 10%, nunca vou entender!). E... nada! Estou no fim do mundo não sei nem a quantos quilômetros de distância de vida humana. Tsc... espero mesmo que seja apenas 2 meses.
De repente o lustre do salão se acende e meu pai aparece com algumas vassouras, espanadores e um balde. Que comece a parte chata.
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Infinity
FantasyQueria poder ir ao baile que se passa no salão ou lutar com os guerreiros que vivem no vilarejo depois da minha cama ou quem sabe passar um tempo pintando flores juntos às fadas que vivem no jardim ao lado da pia... Esse é meu primeiro livro, então...