Aquilo.

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Aquilo me observa de maneira estranha. Não que tenha olhos para fazê-lo, ou sequer consciência - parece um boneco de cera horrendo, parado de forma curiosa e torta. Nada mais parece refletir a luz da lanterna naquele corredor maldito, só aquilo. O resto continua escuro, embebido daquela penumbra que não consegue ser aterrorizante ou inquietante o suficiente para tirar minha atenção.

Meus olhos pesam como se eu estivesse com sono. Por outro lado, meu corpo continua cheio daquela ansiedade específica das crises de pânico, como se realmente aquilo me observasse e eu, sem saber de fato o que é, me sentia compelida a correr para a parede mais próxima, como se fosse realmente me salvar de qualquer coisa que me perseguisse. O ar falta nos pulmões e os olhos, apesar das pálpebras pesadas, captam as menores oscilações da lanterna. Merda, não, agora não, acabar a pilha agora não.

Quem sabe se eu correr, aquilo continue ali. Quem sabe, se eu virar as costas, seja a última coisa que eu faça. Não me sinto corajosa o suficiente para me mexer, mas ao mesmo tempo cada fibra, desde os pés até os cabelos, grita e implora para que eu simplesmente suma dali o mais rápido possível. Quem sabe, se eu apagar a lanterna, o desespero acabe de uma vez. Quem sabe, se eu desistir de observá-lo, ele suma.

O chão está grudento. O silêncio é tão, mas tão denso que apesar de parecer que o mundo lá fora não existe mais, eu consigo ouvir aquela gosma nojenta debaixo das solas dos sapatos. Ele continua ali, em cima da mesma substância. Ele continua ali, me olhando como se esperasse que eu reagisse, que eu fizesse algo - seja correr na outra direção ou enfrenta-lo. Tem algo indescritível que agora diz que eu deveria me aproximar. Que talvez seja a coisa certa a fazer.

Está ficando maluca? Vire as costas, corra e não olhe para trás! Nem que seja uma questão de vida ou morte.

Vida ou morte? Não tenho mais chance em nenhum dos dois. Estou no meio do caminho, parada entre a mais plena existência e os minutos que antecedem o fim. No vácuo, no paradoxo. Ele ainda me olha. Talvez tenha se mexido desde a última vez que o observei com atenção. Talvez agora pareça ainda mais torto, ainda mais curioso. Talvez eu esteja ficando louca. Talvez.

Não seria mais sensato eu simplesmente agir? Seria melhor pensar antes e sofrer tanto quanto faço agora? Não existe, de fato, nada lá fora além da minha própria percepção. Não existe nada além do que vejo, do que sinto, do que ouço e falo. Não existe nada além de mim. Eu e aquilo. Rodando num colapso sem fim.

Ouço um barulho. Não à frente, mas atrás. Não posso tirar a lanterna dele. Posso? Devo? Se eu não olhar, posso não ver o próximo nascer do sol. Se eu virar, talvez também não o veja. A essa altura, qual a diferença? A essa altura, não sou mais eu que faço decisões por mim.

Eu viro. A lanterna vem junto, iluminando o corredor. Continua parecendo não ter fim. Não sei como vou sair. Não sei se vou sair. Não vejo nada além da mesma imensidão cheia de gosma no chão e musgos subindo pelas paredes. A lanterna não faz um trabalho muito bom em cortar a escuridão. Na verdade, a luz parece estar ainda mais fraca do que antes. As pilhas, merda.

Conto até 3. Viro rápido. A luz se apaga por um instante. Havia algo ali, eu tenho certeza que havia. Havia. Não está mais lá. Aquilo não está mais lá. Não há marcas no chão. O ar continua faltando nos pulmões e as mãos continuam tremendo. As paredes, tenho que encostar nas paredes. Luz, preciso de mais luz.

Mais um barulho. Parece vir de alguns metros à frente. A luz pisca novamente.

Ele tem olhos.

Meu Deus, ele tem olhos.

AquiloOnde histórias criam vida. Descubra agora