Retirando o pós-barba, Graham constatou que era melhor o rosto coberto por pelos. Eles encobriam a face marcada por maus-tratos que a vida lhe presenteou. Ou que Hannibal oferecera, para ser mais exato.
Existiam feridas em camadas profundas que jamais cicatrizariam. Até mesmo seus pulsos cortados ou o pescoço curariam um dia, mas as lesões em seu coração, não.
Ele se sentia um homem incompleto de corpo e alma. A xícara que quebrou e nem mesmo um reparo por Kintsugi seria capaz de juntá-la novamente.
Constantemente andava acuado evitando espelhos. As memórias se transformavam em devaneios e quanto mais profundos, mais dolorosos eram. O medo de encarar não a si e sim Lecter refletido com um sorriso cínico desenhado nos finos lábios era uma variável na qual preferia não arriscar. Havia mais dele do que de si no momento, assombrando sua cabeça sussurrando provocações.
E a carta...a maldita carta.
Um pequeno e perfumado envelope de linho, na cor de pêssego. Uma arma nuclear adornada com uma caligrafia elegante e requintada. O de olhos azuis sentia que possuía uma das bombas que atingiram Hiroshima e Nagasaki no ano de 1945.
Will Graham sempre foi um castelo de cartas inacabado esperando ser demolido a qualquer momento. Ele só não esperava que o psiquiatra canibal viria a criar gosto por derrubar as cartas, aguardando que fossem reconstruídas para serem levadas ao chão novamente. E Hannibal estava armando sua cavalaria para brincar mais uma vez com os sentimentos de William.
— Will ?
A voz feminina foi o bastante para o trazer de volta ao mundo real. Secou o rosto pela última vez e olhou de relance para o espelho. Sem nenhum chifre de cervo dessa vez ou a presença diabólica de Lecter. Apenas um homem baqueado e desempregado vivendo às custas dos outros.
Retirou-se do banheiro localizado na suíte, logo percebendo de quem se tratava.
— Está bem mais bonito sem toda aquela barba e o cabelo menor. — Elogiou Bloom. — Sem querer te ofender, mas estava parecendo um morador de rua.
Alana estava brincando. Ela não queria ofender Will de maneira nenhuma, pois, sabia pelos maus bocados que andava passando e já havia passado durante toda a vida. Ele estava lá há uma semana, desde que deixou o Hospital Naval Bethesda, após uma negociação direta com Jack Crawford. Estava sob a condição de ajudar o FBI com a analise de um novo perfil psicológico, o que lhe forneceu a liberação da clínica. Primeiramente seria assistido por seguranças ou pelo Jack em carne e osso. Bloom ofereceu a própria casa e prometeu ficar de olho no ex-agente administrando também um tratamento químico e psicológico — a parte que Graham mais relutou contra.
Regularmente uma tal de Clarice Starling visitava a propriedade acompanhada de policiais. Alana e Jack não estavam se falando desde o dia em que ela descobriu que Crawford internara Will a força em uma instituição mental, então a estagiária ia em seu lugar debater sobre o caso e atualizar sobre seu andamento também.
Will manifestou uma espécie de sorriso abatido. Aquele já era um grande avanço para alguém que costumava exibir um semblante sem emoções durante um bom tempo.
— Acho que sua esposa está tentando me converter em uma espécie de vegetariano Fitness. — Debochou pela escolha de Margot em seguir uma alimentação saudável. — Isso tudo é trauma ou ela tem medo de ganhar uns quilos a mais ?
E com trauma, ele queria dizer: a influência ruim que depositou na 'Lady Verger' e a fez criar aversão a carnes após Hannibal Lecter ter entrado em sua vida.
VOCÊ ESTÁ LENDO
The Broken Teacup
FanfictionWill Graham sempre foi um castelo de cartas inacabado esperando ser demolido a qualquer momento. Ele só não esperava que o psiquiatra canibal viria a criar gosto por derrubar as cartas, aguardando que fossem reconstruídas para serem levadas ao chão...