35 - O presente que o diabo embrulhou

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Na estação de trabalho, o lugar de Carolina se localizava no canto da mesa. Ficava de frente com a janela, de costas para a ilha de edição e imediatamente ao lado da porta do corredor.

Tinha uma gaveta, uma cadeira ergonômica igual a de Renato e uma bobina de acoplamento magnético instalada na divisória central, do tamanho de uma pilha AA, que substituía a tomada de três pinos.

Por meio desta bobina, era possível recarregar o celular, o tablet ou qualquer outro aparelho eletrônico ao seu alcance, sem a necessidade de um cabo, bastando apenas aproximá-los de sua ponta arredondada de cobre. Seu campo magnético faria o resto, transferindo a energia da bobina para o aparelho visado.

A mesa de Carolina estava limpa, com exceção de um pacote encostado na divisa lateral. Tinha o tamanho de uma caixa de tênis e estava embrulhado com papel de presente, todo listrado de verde, vermelho e amarelo. No topo, era enlaçado por uma fita dourada, cujo nó se escondia atrás do brasão do Rio Grande do Sul.

Quando entrou na redação, Carolina estava distraída demais para notar o embrulho. O puxão de Alice a incomodara, e a perspectiva de reencontrar Seu Paulo, com quem poderia ter um novo confronto, também roubara sua atenção.

Porém, quando viu aquele brasão gaúcho depositado em sua mesa, e justo após terem a chamado de “princesinha dos Patriotas Bolsonários”, foi incapaz de se mexer. Arrepiou-se com o que poderia haver no pacote, bem como o motivo de ele estar ali. Tanto que, num instante, esqueceu-se do seu dever com Fernanda.

Colocando a mão na testa, e sem esconder o desgosto, perguntou a Renato:

— Por que tem um pacote farroupilha na minha mesa?

— É presente dos seus fãs.

— Pff, fãs! Que tipo de fãs são esses?

— Do tipo carinhoso e caprichoso, ora.

— Sim, com certeza são caprichosos. E não estou falando no bom sentido!

— O que foi? Nem abriu o presente e já quer jogá-lo fora, marreco?

— Bem, vamos colocar assim: de vez em quando, a capa do livro já basta para julgar seu conteúdo.

— Heh.

Renato, girando em sua cadeira, olhou para o pacote e acenou para o brasão gaúcho, zombando aos risos:

— Está brava por causa da origem dele?

— Acho que nós dois sabemos o porquê da minha braveza.

— Eu sei, é?!

— Se você está me chamando de princesa bolsonária, é porque sabe, tanto quanto eu, quem enviou o presente. Ou, pelo menos, o tipo de gente que o enviou.

Alice, que era casada com um porto-alegrense, ficou chateada. Do jeito como falavam, era como se Carolina tivesse birra de gaúchos. Se fosse assim, não poderia apresentá-la ao seu marido, nem torná-la uma visita frequente em sua casa, tanto quanto pretendia.

Desejando invalidar sua suspeita, perguntou:

— Carol, você não gosta de gaúchos?

— Olha, não vou negar: eu estranho muito eles.

— Por quê?

— Porque continuam investindo numa polícia especial contra visitantes de outros Estados.

— Ah, isso? Eles só estão fazendo controle de pestes na fronteira.

— Aff, não mesmo!

— Mas foi o que falaram para a Seja.

O vlog de Carolina e o feriado antecipado no calçadãoOnde histórias criam vida. Descubra agora