Capítulo Único - O raio branco só surge uma vez

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Minha cabeça ainda latejava. Não era normal, pelo menos não naquela proporção. Eu não bebia tanto assim desde que tivera o meu TCC aprovado, em dezembro passado. A Universidade Federal do Amazonas costumava ser bem exigente, principalmente em se tratando dos alunos, digamos, não pertencentes à classe dominante.

Percebi que o sol já entrava pela fresta da persiana, inutilmente tentando proteger o meu quarto da luminosidade. Em vão. Dois grandes raios solares já alcançavam os meus olhos, tocando-os como um filete de lasers, prontos para me cegar a qualquer momento. O incômodo, somado ao repentino enjoo que tomara conta de meu estômago, acabou servindo como o despertador definitivo.

Erguendo o corpo e retirando parte da coberta, arrumei os cabelos, totalmente arrepiados e embaraçados, parcialmente escorridos sobre o meu rosto. Parecia que eu havia levado uma surra, meu corpo inteiro doía.

A tequila é a bebida do capeta, só pode... Pensei, tentando animar-me em meio a tanta maré contrária. Tentando mexer o máximo possível a cabeça, que parecia estar em um torpor vertiginoso, prendi os cabelos em um coque improvisado, de modo a não parecer uma bruxa saída de um filme da Disney.

Esticando o braço e tomando o celular nas mãos, observei as mensagens recebidas ainda na madrugada, em sua maioria, fotos de minhas amigas, altas, visivelmente embriagadas, o tipo de imagem que posteriormente causará grande vergonha a maioria delas. Um dos recados, porém, divergia dos demais recebidos, e mereceu um pouco mais de minha atenção.

Você sabe onde nasce o raio branco?

Não havia remetente. O número desconhecido, escondido sob um ID em branco, fazia com que se tornasse impossível a identificação do autor da estranha frase. Tentei não dar atenção, mal lembrava do que ocorrera na última noite, talvez tivesse dado o número a um estranho, vai saber. Voltei o olhar então para o pequeno ícone na parte superior de minha tela. Estava sem sinal.

Aparentemente, a rede estava desativada.

O sinal de telefonia brasileiro não é conhecido por ser um dos melhores do mundo, na verdade, encontra-se ainda muito distante da realidade de grandes potências asiáticas, por exemplo. Imagine então o nível da cobertura distribuída na região norte do país... Sim, péssima. Por isso mesmo, não me surpreendi ao atestar tal fato. Era provável que o sinal retornasse em pouco tempo.

Joguei o telefone sobre o travesseiro, respirando profundamente e coçando os olhos. Ainda estava levemente tonta, mas nada que me impedisse de levantar da cama. Caminhando lentamente, dirige-me até o banheiro do quarto, abrindo a porta cuidadosamente para que fizesse o mínimo possível de barulho.

Acendendo a luz e admirando minha própria imagem no espelho, percebi o quanto a noite anterior fora deveras arrasadora. Além do cabelo desarrumado, minha maquiagem estava borrada, meu rosto amassado, como se não dormisse há dias. Nunca havia ficado naquele estado, na verdade, nunca havia visto ninguém ficar naquele estado anteriormente.

Eu devo ter feito muita merda... Puta que pariu! Começava a me preocupar bastante sobre os últimos acontecimentos. Tinha medo do que poderia ter acontecido, afinal, eu nunca havia perdido o controle dessa maneira. Costumava beber bastante, mas sempre sabia o que estava fazendo.

Lavei o rosto e tentei não focar em tais preocupações. O dia seria longo e os compromissos que teria naquela tarde poderiam ser decisivos em relação ao meu futuro. Não só ao meu futuro.

A água gelada serviu para me despertar completamente, o contato do líquido com minha pele, eriçou-me os pelos do corpo. Nunca gostei de água fria, mas sabia que naquele momento seria um mal necessário. A ducha que se seguiu foi como uma passagem de estado de espírito, um forte café completaria o modo recuperação e me deixaria nova em folha.

É possível enxergar no interior de um relâmpago?Onde histórias criam vida. Descubra agora