Chuva, óculos e... uma cimitarra?

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A primeira coisa que Khalil avistou quando acordou foi o despertador virado, prestes a tocar, e apressou-se em desligá-lo a tempo, enquanto tateava pela mesa atrás de seu par de óculos. Marcava 18:07 e naquela noite não havia tempo para falhar. Não, aquele serviço deveria ser cumprido e rápido. A urgência não se devia apenas aos pedidos do Baronato de Carmilla, aquela mulher cuja voz ainda o irritava conforme lhe pedia de forma não-naturalmente sugestiva que "limpasse a sujeira". Não, haviam outras questões a serem resolvidas, uma fuga planejada para sua atual aliada, Cassie Müller (ou Cassandra Rosselini, como detestava ser chamada), visto que sua não-tão-amigável famiglia estava atrás de seu paradeiro e chegando ao extremo de por uma recompensa sobre sua cabeça, tudo aquilo precisava ocorrer naquela noite. E, ironicamente, o "pedido" a ser cumprido de mau grado seria o gerador de um álibi perfeito... Ou quase. Era o bastante para ele. 

Tratou de banhar-se e procurar uma blusa com capuz, num tom cinzento, além de uma bermuda Jogger. Seria o suficiente para completar o serviço primário e ajudaria numa possível fuga. Checou sua mochila, que havia preparado com antecedência justamente para evitar imprevistos. Após isso, aí sim podia ir para a parte que mais demorava: a escolha da "ferramenta". Sua coleção de armas não era exatamente enorme, visto que precisava caber num apartamento pequeno, mas era vasta o suficiente para tomar-lhe tempo de escolher entre elas. Cada uma forjada para determinados tipos de tarefas, não necessariamente adquiridas através de meios mais louváveis. Uma delas em especial, uma lança curta que possuía um pomo que lembrava as feições de um lobo e tendo sua lâmina ornamentada com variados símbolos, era a que ele menos desejava precisar usar, não necessariamente tendo problemas em tê-la. A ideia ser obrigado a recorrer a ela significava mais do que um exibicionismo; seria um verdadeiro risco do qual dificilmente sairia ileso, se saísse inteiro. Pondo seus arrepios de lado, passou para as outras e viu uma que já lhe fora útil antes... E era exatamente seu tipo de espada favorito: uma cimitarra. Procedeu em guardá-la em uma carcaça de teclado musical adaptada para esconder a maioria ferramentas de ofício, além de uma capa protetora que completava o disfarce. Antes de sair, checou no seu mini-laptop se não estaria rastreável de alguma forma, renovando todas as proteções que fizera antes. Para garantir, desligou o aparelho e guardou-o consigo. Finalmente desceu para a garagem, até seu carro, onde guardou a maior parte de sua bagagem. Foi ali que percebeu um detalhe um tanto inconveniente: Chovia. E chovia horrores, céus. Podia ser problemático, especialmente pelo fato de que as pessoas costumam se amontoar nos locais cobertos, tornando completamente visível alguém que tentasse correr pelas ruas. Não importa. Ele tinha aquela responsabilidade com sua amiga e com a baronesa. Pôs-se então  a acelerar o carro pelas ruas da cidade. 

Durante seu percurso, pensou nas dualidades presentes na situação em que se encontrava. Precisava encontrar a todo custo aquela figura que seria responsável por uma série de assassinatos, que a mídia sensacionalista andava tratando como apenas um bando de traficantes de órgãos ou assassinos em série fanáticos, imagem que se devia à influência do Príncipe local. A realidade aparentemente era mais sombria, visto que os noticiários não mencionavam o modo como os corpos eram encontrados, as marcas ao redor dos órgãos arrancados como se tivesse sido feito à mão, ou mesmo que possuíam estranhas figuras entalhadas em suas testas, adicionando ao cenário olhos e línguas ausentes em todas as vítimas. Quando o ashipu ("Feiticeiro", numa tradução que julgava simplista, mas que não lhe motivava o suficiente para explicar que "exorcista" possivelmente se aplicava melhor) foi pessoalmente averiguar, utilizou uma simples, mas extremamente útil técnica que desenvolvera para detectar vestígios de uso de magia, notando que aquelas faces emanavam uma espécie de fumaça esverdeada pelos buracos donde estariam os olhos. Precisava também manter sua promessa para com Cassie, afinal, "sua palavra só vale o quanto suas ações a mantém", uma das primeiras lições que aprendera em seu treinamento. Independente de qualquer coisa, a realidade era que ele não sabia exatamente estaria lidando aquela noite. Não queria depender de nenhum tipo de ajuda, apesar de tudo (e mesmo que pedisse, já haviam deixado bem claro que não julgaram necessário mandar mais de um para resolver -o fato de ser um desertor da Camarilla e um membro do clã Assamita certamente não colaborava para confiassem nele o suficiente para tal). Não era uma questão de "orgulho", não, longe disso. Era uma questão de auto-conhecimento. Haviam algumas dúvidas acerca de suas próprias capacidades. Era irritante que o vissem apenas como um algoz, um hashashin, ignorando suas outras habilidades. Podia invadir sistemas tão bem quanto muitos dos Ratos de Esgoto, era versado em investigação sobrenatural (afinal, ele não estava apenas numa ideia de buscar e destruir, mas de entender os objetivos do seu oponente para prevenir danos maiores no futuro). Por mais que o incomodasse tal situação, aquilo lhe abria espaço para uma oportunidade única de aprendizado, quer fosse para ver que tinha muito a melhorar, quer fosse saber variar o uso de seus conhecimentos. Aquela noite tinha tudo para ser produtiva. 

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⏰ Last updated: Aug 10, 2018 ⏰

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