EU QUE NÃO AMO VOCÊ
Um mês. Foi o tempo que se passou desde que você juntou suas coisas e disse que iria embora, pois não tinha mais motivos para ficar. Sempre achei que amor fosse um grande motivo, hoje vejo que estou enganado.
Todos esses dolorosos trinta e um dias que se passaram foram como dez anos para mim.
Você não estava mais aqui para me abraçar nas noites de frio, e nem para sorrir ao meu despertar; você não estava mais aqui para retirar os pirulitos de meus lábios e dizer, com uma voz preocupada, que comer muitos doces poderia me fazer mal; você não estava mais aqui para ouvir minhas poesias ruins e notas quebradas em um teclado barato; você não estava mais aqui para ser minha inspiração; você não estava mais aqui.
Não sei quando eu deixei de perceber que seus olhos não brilhavam mais quando se encontravam com os meus, que seus sorrisos não eram mais os mesmos quando eu fazia alguma palhaçada, ou que seus gemidos não eram tão reais como antes.
Quando tudo mudou entre nós, mesmo?
Você se recusou à responder minha pergunta naquela noite, disse que minha comodidade havia me cegado. Nosso amor era algo apático demais? Repetitivo, talvez? Eu sei que você sempre gostou de inovações, me desculpe por não poder me reinventar todas as manhãs.
Sinto que você não percebeu, mas cada dia contigo era um dia diferente para mim. Porque você nunca era igual, querido. Não importava se o corte ou a tintura do seu cabelo era a mesma, se suas roupas e sapatos estavam idênticas às da semana passada; você era uma arte completa, e a arte não se repete, ela sempre tem um significado à mais, algo misterioso.
E assim como uma pintura consegue esconder segredos, você conseguiu esconder seu desânimo.
Eu ainda te vejo todos os dias, quando passa apressado em frente à lanchonete onde trabalho para não perder o trem, e acredito que isso só torna as coisas mais dolorosas para mim. Me pergunto se você também está sofrendo, por mais que tenha me deixado. Você não sente saudade de nada? Nem mesmo das conversas sobre as estrelas ou as composições melódicas que eu fazia para te acalmar? Eu sinto tanta falta de tudo isso, amor...
Acho que não tenho mais o direito de te chamar assim, mesmo que em pensamento.
Não consegui escrever mais nada desde aquela noite. Meu cérebro se fechou, as palavras não formulavam-se em uma ordem nobre. Você dizia que eu sabia me expressar bem nos poemas, mas isso só acontecia quando você era o meu modelo de escrita.
Eu me sinto um idiota falando todas essas coisas. Por que sou tão dependente de você? Não deveria ser assim....
Eu parei com os pirulitos; o açúcar não fazia mais efeito em meu sangue. Nos primeiros dias sem a nossa rotina, pensei que eu poderia enlouquecer. Exagerado, eu sei, mas é a verdade. O estresse me dominava quando algum bloqueio criativo me aprisionava, e eu cheguei ao ponto de arrancar alguns fios de cabelo.
Então eu, que nunca fumei e nunca tive pretensão de fumar, comecei a usufruir da droga.
Por mais que as tosses e o desconforto fossem ruins nos primeiros dias, pelo estranhamento da toxina, a nicotina tendia a me relaxar, e eu precisava daquilo.
Não pense que foi sua culpa, jamais! Eu que sou muito fraco para suportar seus sentimentos honestos.
Honestidade... Todas as vezes que leu minhas poesias e escutou minhas músicas, elogiava-os, dizia que eu me tornaria um grande escritor... Era verdade? Acreditava tanto assim no meu potencial? Nem eu mesmo tinha tanta fé em minhas letras.
Mas você me deixava sonhar, querido. Me deixou sonhar com um relacionamento duradouro, e provavelmente me deixou sonhar com a minha auto capacidade, também.
Na noite que foi embora, era o primeiro dia do inverno, e era terrível não ter você comigo nessa estação. Sabe como é difícil ter que enfrentar o vento gélido que entra pela porta que você deixou aberta ao sair?
Imaginar minha casa como "o lugar que você deixou" é muito deprimente...
Mas agora, sem você, eu criei outra rotina.
Eu, que nunca fui muito chegado à bebidas alcoólicas, me acostumei a ir ao pequeno bar do bairro apenas para tomar um conhaque, todas as noites, independente do frio.
A bebida não é tão gostosa, admito, mas me esquenta e deixa um pouco da minha dor e sofrimento por não ter você ao meu lado entorpecidos.
E então, todas as noites desses trinta e um dias, enquanto eu fumava meu cigarro mentolado e bebia um conhaque barato, me perguntava se eu não devia ter lutado por você, que se esforçou tanto por mim.
Você deixou a porta aberta, querido, era um sinal para que eu buscasse por ti?
Você está certo, eu sempre fui muito apático, mesmo – "cheio de 'tantos fazes'", como você costumava dizer. Mas, mesmo que eu tivesse te procurado, sabe como é difícil encontrar as palavras certas... Irônico ouvir isso de mim, o cara que escrevia poesias de amor para você.
De repente, tudo isso parece tão falso. As poesias, as músicas, os elogios; até mesmo o nosso amor.
Tentarei não me afundar mais, farei isso por nós. Voltarei à escrever poemas, mesmo que sejam tristes. Talvez minhas canções sejam deprimentes agora. Mas eu passei noites em claro tentando encontras as palavras certas, querido. Me convenci de que não era para ser, que eu não era o cara certo pra ti.
E, agora, só falta eu me convencer que sou eu que não amo você.
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eu que não amo você
FanfictionEu, que não fumo, queria um cigarro; eu, que não amo você, envelheci dez anos ou mais nesse último mês. Eu, que não bebo, pedi um conhaque para enfrentar o inverno que entra pela porta que você deixou aberta ao sair. yoongi + [?] | ggyuliet