único

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Entre as árvores gigantes e as folhas secas no caminho, Eric corria tão rápido que se perguntava o motivo de suas pernas ainda não terem caído de seu corpo. Vivenciava o momento mais doloroso de sua existência: uma experiência de quase-morte que estava arrancando sua sanidade a cada segundo a mais que se mantinha naquele lugar. 

Era o terceiro dia que estava perdido naquela floresta imunda. Seu nariz já havia se acostumado com o cheiro nojento de corpos podres espalhados pela terra, a maioria em estado avançado de decomposição. Jorrava sangue pelas madeiras das árvores e suas copas gigantes com certeza escondiam pedaços de membros despedaçados. Era como montar um enorme quebra cabeça com os restos mortais.

— Clarice? Clarice! Por favor... — Choramingava em desespero enquanto secava as lágrimas que escorriam por seu rosto sujo de lama — eu sei que você está aqui em algum lugar! Pode me ouvir? Por favor... Me responda!

Sem resposta.

Continuou a correr.

Ao encarar os corpos no caminho, conseguia imaginar as vozes em desespero destes que haviam sido capturados pelo demônio que habitava o inferno em que estava pisando. Ouvia os gritos, as vozes desesperadas implorando por mais tempo de vida para se despedirem de amantes, familiares ou apenas da própria vida. 

Só uma resposta era dada: sangue. Sangue jorrado pelo salão inteiro. Espirrou no rosto de todos que se transformaram em estátuas no mesmo instante. Estáticos. Tudo o que tinham para oferecer a partir daquele momento era o vermelho em seus rostos pálidos e olhos suplicantes.

O motivo daquela crueldade não era de conhecimento de ninguém. Psiquiatras diziam que era por pura maldade e rancor. Bastava um dia ruim para sua sanidade escorrer por seus dedos, olhos e cabeça. Depois de perdê-la, você não conseguiria mais trazê-la de volta. 

Mas Eric não acreditava nesse papo furado. Afinal, não tinha tido apenas um dia ruim e sim três. Mesmo depois tudo o que viu, estava completamente normal. 

Ao receber a notícia de que sua namorada fora capturada pelo psicopata dos jornais, tratou de procurá-la. 

O psicopata deu o endereço por e-mail para facilitar as coisas. Mas por quê? 

Não tinha tempo para questionar. Traria Clarice de volta, não importava quão duro e horrendo o caminho seria. 

Mas uma garota tão simples, seca e sem graça merecia mesmo tudo isso? Merecia mesmo todo seu suor, lágrimas e dores? 

Ele começara, aos poucos, a duvidar de seu amor. Porque estava cansado de tanto procurar por algo que já estava morto, despedaçado, com a cabeça pendurada em alguma árvore da grande floresta medonha. 

Talvez ele fosse capaz de encontrar um de seus braços no caminho. Ela tinha tatuagens espalhadas por todo o corpo, não seria difícil. Mas por que estava achando toda essa situação de corpos e membros espalhados tão normal e corriqueira? 

Acho que o papo de dia ruim era mesmo verdade, no final das contas. 

Encontrou. 

Encontrou uma casinha, bem longe de seu alcance, coberta por neblina. O único vestígio de vida naquele lugar cruel. 

Com as mãos para o alto agradecendo aos céus por sua conquista, começou a correr o mais rápido que podia em direção à moradia avistada. 

O que estava mesmo procurando? 

Bateu na porta. 

Um, dois. 

Mais uma vez. 

— Quem é? 

— Clarice? Clarice! Oh, meu amor! Sou eu, Eric, seu amado Eric! Você está bem? Se machucou? 

Gargalhadas. Recebera gargalhadas fúnebres em resposta. Ecoaram por seus ouvidos sujos e desacreditados do que estavam presenciando. 

Era Clarice. E ela estava rindo. Rindo da tolice de seu amado... se é que um dia foi sequer amado por alguém. 

— Sabia que você viria, mas não sabia que seria tão breve assim. Quer tomar um café? 

Um homem mascarado com um machado em mãos cortou sua cabeça fora. 

A cabeça de Eric pousou no chão com seus olhos esbugalhados e cinzentos para fora, com sua boca escancarada, branca como neve. 

— Ele nem teve tempo para me cumprimentar formalmente! 

E mais risadas preencheram a floresta. 

Eric fazia parte dela agora. Um braço na copa de uma árvore, o outro no telhado da casa e sua cabeça espalhada pelas folhas no chão.  

A FlorestaWhere stories live. Discover now