Capítulo 1

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Fevereiro era um daqueles meses que eu, particularmente, amava, ainda mais quando o termômetro marcava 32ºC na cidade maravilhosa: Rio de Janeiro, vulgo minha querida cidade natal. Foi aqui que eu nasci e cresci, onde tive minhas melhores e piores experiências de vida. Aliás, eu nunca sequer saí daqui, portanto não é difícil compreender o porquê de tudo neste lugar. Nesses meus dezenove anos tantas coisas aconteceram, tanto boas como ruins, e eu sei que ainda vão haver outras. Talvez seja por isso que eu continue lutando, por ter essa certeza e querer fazer dela uma realidade.

A magnífica paisagem do Rio me fazia companhia enquanto eu pedalava pelas ruas da cidade, a noite já se fazia presente, mas a beleza continuava a mesma, reluzente como o ouro. Mesmo com a temperatura elevada havia uma brisa gostosa batendo em meu rosto conforme eu avançava pelo caminho que fazia, a mesma cheirava a maresia e posso afirmar com convicção que esse era um dos instantes que eu mais apreciava: a hora de espairecer ou de simplesmente ficar comigo mesma, pensando na vida.

Na minha vida.

Nem tudo nela eram flores, ou melhor, no momento, praticamente nada nela eram flores, não mesmo. Há um ano meio minha mãe faleceu devido a um acidente de trânsito, seu trabalho requeria muitas viagens e uma delas acabou sendo fatal. Dona Fátima era minha confidente, trazia alegria nas horas mais sombrias na vida de uma adolescente confusa e me fez perder o chão com a notícia de sua morte. Um dos acontecimentos mais sombrios que eu tivera que passar, mas diferente de antes ela já não estava mais ao meu lado, e isso foi a pior coisa que podia me ocorrer.

Bom, eu pensava que seria a pior coisa a me ocorrer. Mas ainda havia mais por vir.

Agora, nesse exato momento, minha sessão "espairecer" havia chegado ao fim, eu tinha que encarar a realidade, por mais dura e cruel que ela fosse, e o mais difícil, eu simplesmente não podia perder a esperança. Enquanto eu estava mergulhada em pensamentos, minhas mãos davam um jeito de fechar o cadeado pendurado no cordão envolta da bicicleta, meus olhos percorriam a fachada do hospital à minha frente, cada pequena parte dela me era familiar, isso pelo fato de eu vir tantas e tantas vezes aqui.

Meu pai estava com câncer, e tudo o que eu queria era ser forte. Muito forte.

- Boa noite, Manuela. Como você está? - Quando adentrei o local, Luzia, uma das recepcionistas, cumprimentou-me simpática exalando compaixão em seu olhar. Eu já conhecia quase toda a equipe de profissionais daqui, por esse motivo eles também conheciam minhas histórias e meus perrengues.

- Olá, boa noite! - Sorri de lado - Estou bem! - Suspirei um pouco angustiada - Você sabe... Preocupada, mas com fé que tudo vai dar certo no final.

- Eu te admiro, menina. Nessa idade tão madura - Respondeu sincera, enquanto eu somente balancei a cabeça apertando os lábios com meus dentes em razão da ansiedade.

- A vida faz isso com a gente, Lu. Quem sou eu para contrariar, não é mesmo? - Falei ao passo que ela prestava atenção e concordava carregando um semblante triste - Mas, heim, já posso subir para ver meu pai?

- Pode sim, ele está te esperando!

Agradeci e sai a caminho do quarto em que ele estava internado a algumas semanas. O corredor do hospital era frio e fazia minha espinha ficar arrepiada ao percorrer o local, mas depois de algum tempo acabei me acostumando com a situação, ou talvez tenha somente aceitado os fatos. Assim que cheguei em frente à sua porta, respirei fundo tentando manter-me forte.

- Olá, posso entrar? - Disse após dar duas batidinhas para adentrar ao quarto - Sentiu saudades, Seu João? - O rosto do meu pai se iluminou ao fitar-me quando finalmente entrei, e meu coração pareceu derreter-se dentro de mim. Ele estava fraco e pálido, mas era sempre assim, quando me via parecia que suas forças eram renovadas.

- Claro que pode, filha. - Respondeu enquanto tentava sentar na cama - Sempre, ficar aqui sozinho por tanto tempo é solitário demais! - Respirou fundo depois do esforço.

- Eu sei... - Curvei os lábios e fui até ele. Peguei suas mãos e beijei seu rosto antes de dar-lhe um abraço apertado - Mas daqui a pouco o senhor vai sair daqui, tudo bem? Pronto para uma próxima, você vai ver!

- Próxima não, minha filha. Só essa já está de bom tamanho - Falou soltando uma risada gostosa e eu o acompanhei em sinfonia - Como você está? Foi a faculdade hoje? - Consenti saindo de seus braços ao acomodar-me ao seu lado na maca do hospital.

- Sim, na verdade, acabei de sair de lá e vim até aqui de bicicleta. Não é tão longe e eu aproveito para dar uma passeada nessa cidade tão linda.

- Está certíssima! Hum... Seu irmão deu notícias de quando chega? - Fiz que sim balançando a cabeça para cima e para baixo.

- Falei com o Guto hoje de manhã, pai. Ele disse que estava entrando no avião e que amanhã à tarde já vai estar em solo carioca - Respondi com um grande sorriso em minha face - Estou com saudades dele. Muita saudade!

- Eu também, filhota - Ele puxou meu rosto para o seu ombro e começou a acariciar meus fios de cabelo.

Era estonteantemente bom ficar ali com ele dessa maneira, recebendo seu carinho. Ficamos durante duas horas conversando sobre minha faculdade, seu estado clínico e sobre meu irmão. Gustavo, ou Guto, como o chamávamos desde pequeno, havia se mudado para Londres quatro meses após a morte de nossa mãe. Ele tinha o sonho de cursar medicina fora do Brasil e felizmente conseguiu alcançar seu objetivo alguns dias antes da tragédia acontecer, Dona Fátima era só felicidade quando soube da aprovação dele, por conta disso mesmo depois do ocorrido ele sabia que ela ficaria orgulhosa de vê-lo em outro país estudando o que tanto desejava, então ele foi para Londres, apesar de tudo. Gustavo foi em busca de seu sonho pois acreditava que estava fazendo a escolha certa, a escolha que deixaria nossa mãe feliz.

Eu era uma das pessoas que mais tinha orgulho de quem meu irmão havia se tornado. Ele era quatro anos mais velho que eu, mas mesmo com essa diferença de idade sempre nos demos bem e vivíamos praticamente grudados durante toda nossa infância e adolescência. Eu sentia tanta, mas tanta, falta dele aqui, ainda mais em momentos tão delicados quanto esse que estamos enfrentando.

Há mais ou menos duas semanas, quando nosso pai piorou, recebi uma ligação de Guto. O mesmo que disse que estava vindo para o Brasil passar algum tempo, ele afirmou que precisava estar aqui para lidar com a circunstância de perto e não havia possibilidades de deixar eu enfrentar tudo isso sozinha. Foi a melhor notícia que recebi após meses de angústia, e isso me deixava feliz. Ter ele por perto seria o colo que eu necessitava para renovar minhas forças e esperanças.

- Vai descansar, Manu. Já está tarde e amanhã eu sei que você precisa levantar cedo para estudar - Nem doente meu pai deixava de zelar por mim.

- Está tão bom aqui perto do senhor! - Aconcheguei-me mais a ele, que suspirou e beijou ternamente minha testa - Mas tudo bem, já está ficando tarde mesmo. - Sorri amarelo enquanto descia da cama. Parei à sua frente e lhe abracei forte fazendo carinho em suas costas - Olha, assim que o Guto chegar eu trago ele aqui para ver você, ok? - Ele consentiu com um gesto. Assim que nos fitamos novamente pude ver que seu olhar transmitia gratidão e cuidado.

- Obrigado por tudo que você tem feito, minha filha. O pai te ama demais - Havia uma lágrima descendo por seu resto, a qual, com todo afeto, limpei com meus dedos.

- Eu também te amo, Seu João.

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⏰ Última atualização: Aug 06, 2018 ⏰

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