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  Pessoas passavam por ele e não percebiam sua presença. Corriam apressadíssimas em busca do seu objetivo. Trabalho. Faculdade. Morte.

O barulho assustador da lataria de um carro sendo amassado por um corpo. A mulher havia caído do nono andar do Edifício Colônia. O menino, extremamente angustiado, simplesmente congelou.

Após recuperar seus movimentos e ir em direção ao local do ocorrido, foi repreendido pela voz de um homem robusto e expressões calculistas:

---- Não te preocupa com isso, garoto. Já é a quarta vez hoje.

Sem fala. Sem paz. O menino engoliu o choro e se perguntou o porquê daquilo ser tratado com tamanha superficialidade. Toda a humanidade havia ido ao espaço há muito tempo. Mas para ele, se foi naquele momento, quando um homem, apressado como todas as outras pessoas, que não deu bom dia a sua esposa e não abraçava seus filhos há semanas, parou ao lado do carro e exclamou:

---- Mas que vadia! Não podia ter escolhido outro lugar pra se jogar?

A morta tinha uma lágrima no rosto e olhava em direção a criança. Um olhar que não tinha mais vida, porém era esperançoso. Ao cair viu sua vida passar diante de si.

Todo o sofrimento havia acabado. Não tinha mais marido para ser traída, nem colegas de trabalho para humilhá-la, nem seu chefe para assediá-la. Ela sorria, e agradecia ao menino por tê-la visto.

Quando jogada na calçada como trapos pelo proprietário do carro, foi atendida pela criança. Esta não a deixou por um segundo sequer.

As pessoas os empurravam, pisavam na mulher. O carro foi rebocado, e seu dono foi junto com o motorista da caminhonete, resmungando que uma vagabunda havia feito aquilo com seu veículo, e por isso teria de se atrasar para a reunião.

Passaram-se horas até que um caminhão fedorento estacionou rapidamente e pôs a defunta na parte traseira. Foi aí que o menino percebeu que aquilo transportava lixo. Ela não seria enterrada e muito menos teria alguém para guardar o seu corpo.

A criança decidiu acompanha-los, mas ao longo do caminho via mais cenas horrendas. Pessoas se jogavam desesperadas de pontes e prédios.

Então ele decidiu, tinha que ficar com elas. Tinha de ficar com elas até que outros caminhões de lixo as levassem embora, pois não poderiam partir sozinhas, tinham de ser lembradas uma vez mais.

E assim ele o fez, até que não suportava tamanha angústia. Se jogou de um precipício.

Todavia vira, ali nas rochas que se aproximavam, todas as pessoas que havia velado. E estas sorriam, e lhe passavam amor.  

NormalidadeWhere stories live. Discover now