Rõmulo era um cara apressado. Não que isso seja um defeito, ou uma falha de caráter. Não usando isso como algo bom também, Rômulo sempre andou no seu passo normal, curiosamente, era apressado. Ele não fez muito caso de parar para comer algo no aeroporto. Sempre achava aeroportos muito estranhos, como um ovo de galinha num ninho de cobra, por exemplo. Sempre achava que uma cidade não era repesentada pelo seu aeroporto, muito menos Recife. Rõmulo morou, nos últimos 3 anos, em Damasco. E era um pouco perturbador, mas era seu emprego morar lá: ganhava quase 50% dos lucros que fizesse naquela parte do mundo. Ruim era falar exatamente o que ele vendia. Sempre que dizia, as pessoas riam, como se vender cadeiras giratórias era algo tenebroso ou ainda grotesco. Ele gostava do dinheiro, poderia ser vendendo qualquer coisa, e qualquer cosia significava caderias giratórias em Damasco, Síria. Muitas coisas estavam atuando sobre a cabeça de Rômulo naquele dia. Atormentando seria a palavra correta. Desceu no Desembarque do Aeroporto dos Guararapes e correu logo para os caixas eletrônicos perto da saída: tirar dinheiro logo para pagar o taxi e correr para o hotel e fazer sua esperada ligação. Rômulo era brasileiro, e ainda mais de Recife, porém fora criado no interior de MInas Gerais pela mãe. E falar do pai para Rõmulo, era aborrecê-lo além dos seus limites. Pegou o bendito taxi, debaixo de uma chuva fortíssima (natural do mês de junho) e disse para ir a Boa Viagem. Se hospedaria ali, ou perto dali. A empresa só permitia um máximo de 5 noites hospedado; se ficasse mais teria de se arrumar em outro lugar e com o próprio dinheiro. E provavelmente teria de comer carne. Rõmulo, o nosso protagonista, era vegetariano ferrenho. Embora que viver na Síria ajudasse bastante seus interesses anti-carne, mas, se você perguntasse o porque dele não comer, ele não saberia dizer. E sua mulher estava grávida e ele estava ali, de volta ao primeiro lar. O lar que ele havia abandonado. Desceu na caçada, a chuva descia derrubando seu guarda-chuva de suas mãos, fazendo o mesmo voar descontrolado pela orla e bater num dos quiosques. Nem se importou muito, apenas entrou no hotel. A falsa simpatica, o dinheiro que sai da mão e o quarto aberto. Se jogou na cama.... até lembrar da própria esposa e do filho que ela esperava. E lembrou do pai mais uma vez, a terceira vez no dia. Deve ser a essa cidade. Nunca gostou dela. Foi ligar, mas o número não chamou. E depois nem deu sinal mais. Apenas.... era a chuva. Culpa da cidade, mais uma vez. Não conseguiu se controlar. Pegou a garrafa de Whisky do frigobar e começou a beber. Primeiro degustava, saboreando o líquido de dois em dois dedos. Depois, o trabalho começou. Quase sentiu culpa. Já era alta madrugada, e a chuva parecia tão forte quanto quando ele havia chegado. - Dane-se a chuva - Rõmulo pronuncia em voz alta - Vou passear pela praia. Bêbado, sai do hotel e ninguém fala nada. Segurava a garrafa firmemente na mão do relógio. Atravessou a avenida, subiu no calçadão e entrou na praia. AAidna usava terno e gravata, sapatos sociais e abotoaduras. Todos enxarcados e empapados. Será que deixou o celular no quarto? Não importa. A garrafa e a areia são o que importa. Nem aquele homem o seguindo importava. Rômulo até entrou na água. Até os joelhos, o mar batia bravo demais e ele não queria morrer ali. Não naquela cidade. O vento gastigava seu rosto, o cheiro do sal destruia suas narinas. O Álcool deixava-o tonto e seus problemas levaram embora seu coração. A única coisa que o mantinha em pé era o filho que ele viria a ter. Se conseguisse voltar a tudo estivesse no mesmo lugar de quando saiu. O que, seu coração assim o dizia, não estaria. Sentou-se na areia. O vento carregava as gotas pesadas que colidiam com seu corpo, provocando dor. Não podia chorar. Não tinha tanto sentimento assim restante. Não era realmente uma pessoa boa. Fechou os olhos e continuou sentindo a chuva. E ela para. Mas seu barulho continua. Romulo levanta a cabeça e tem alguém na frente dele. Um Homem. Estatura mediana, usava chapéu e bengala. E um terno também, pelo que parecia, mas a visão não era favorecida no escuro. - Olá - a sombra fala. Sua voz é como a de um locutor da rádio, se um dia houvesse uma radio gótica que cultuasse o terror - O que você quer? - Romulo nao atentava aos fatos. O alcool não permitia, - Conversar. - a voz muda de direção: agora vem de trás de Romulo - Fale comigo. - Não há nada pra falar. Eu me mataria se pudesse. Mas não posso. -Porque fala assim criança? o que há de tão ruim? - Romulo se vira para onde a voz vem. Ser chamado de criança o assustava: tinha uns 45 anos de idade e cabelos brancos no horizonte da testa. - Quem é você? - Pensei que poderia responder isso depois. - A voz mudara de tom também: estava menos aterrorizante, um pouco mais fina - Não falarei com você. Você me assusta. - Eu sei. Nunca é minha atenção. Mas falará comigo sim. Você não pode evitar. Me conte, seu pai algum dia ouviu sua mãe depois que ela apanhava dele? Romulo se levanta se uma vez. Encarando o sujeito, empunha a garrafa como um taco e tenta acertar a sombra, mas cai no chão logo a frente, batendo a cara na areia - Eu sei mais de você do que gostaria, Romulo. Mas sei da sua podridão. Do porque você quer se matar. E você me dirá o porque, antes da noite acabar. Eu fiz parar de chover, mas posso mandar continuar. - e a chuva retorna imediatamente. - O QUE é você? - Romulo estava apavorado. Suas mãos agora tremiam em torno da garrafa - Bem, se tanto insiste, sou obrigado a dizer. - O vulto tira o chapéu e o joga fora. A bengala cai ao lado dos pés e ele se despe do terno. - Tenho muitos nomes. Alguns você nunca ouviu falar. Outros você pode até conhecer, não sei. Isso é o que veremos. Eu sou Arimã, Beelzebu, Baal, Asmodeus, Baphomet, Hades, Seth, Lúcifer, Plutão. Ou como dizem hoje em dia, Prazer, eu sou o Demônio. - Romulo tremia como nunca antes. O medo despertou dentro dele como um incendio em um monte de palha, um medo antigo, muito antigo. - o que você quer? - Ele conseguiu dizer, sentindo algo como areia na sua garganta ao falar - Sua confissão. O que você realmente faz, Romulo? - o Diabo pulou no telhado de um dos Quiosques e lá ficou, olhando-o. Sua sombra mostrava longas e afiadas unhas nas mãos. Mas, nenhum chifre. - eu....... eu vendo cadeiras - gaguejou - nada além. - Mentira. Eu sei o que você faz. E eu quero que diga. Bem, posso ajudá-lo primeiro, não? por que não.... - E ele aponta com uma de suas longas unhas pretas para a garrafa na mão de Romulo e esta, torna a encher completamente. - Beba e se sentirá melhor. Ou pior. Nunca se sabe. - não quero - ele joga a garrafa na areia - quero que me deixe ir embora. - Eu não estou lhe impedindo - o demônio ri - saia. Vá embora. E eu vou atrás. Adoro uma boa pegadinha, como você ja devia imaginar. Não vai tomar nem um golinho? Whisky 12 anos. Escocês. Eu tomo então - A sombra pula do Quiosque e pega a garrafa, a qual toma tudo em um único gole. - Você não sabe o que perdeu. - Drogas - Romulo grita, as lágrimas caindo dos olhos - cocaína dentro do estofado das cadeiras. Exporto pro mundo todo. E gosto do dinheiro. - E quem não gosta? - o Diabo sorri. Seus dentes são a única coisa que brilha naquela escuridão da praia. - você assumiu. Bom. Eu lhe concedo um pedido. Um único pedido, e tem de ser feito agora. - que tipo de pedido? - o medo ja era mais do que palpável: estava solidificado no estômago de Romulo, matando-o divagar. - Você quem decide. Eu lhe concedo esse desejo, e conto-lhe um segredo meu. Topa? Ele pensava. Com toda força. Se não havia salvação para ele, melhor salvar alguém que amasse. Alguém que precissasse dele. - Meu filho - Romulo fala - Quero ele a salvo. A salvo como se estivesse comigo o tempo todo. o Diabo abre umm largo sorriso - Eu imaginei essa resposta. Romulo segurava algo os braços agora. Uma criança ensanguentada. Pequena e ainda com o cordão umbilical no umbigo. Romulo nao fez nada. Estava estático, paralisado, Petrificado. A criança deu alguns espasmos e morreu. - Não há maior segurança do que a morte, eu costumo dizer - o Demonio agora estava de cabeça para baixo, pendurado pelas pernas no topo de um poste de luz. Romulo chorava intensamente. Pelo erro que havia cometido. O maior de todos, achava agora. -DEUS! POR QUE NÃO ME AJUDA? ESSA CRIANÇA ERA INOCENTE! ACABE COM O DIABO! DEUS! JESUS! - Os gritos eram estridentes e quase guturais. O demônio não se moveu num um centímetro de onde estava. - Eu prometi um segredo, não foi? lhe darei agora. Só vou lhe contar porque você já é meu. Você ja vai vir comigo de todo jeito. Não tem porque eu não contar isso. Sabe o deus que você chamou? - Sim. - Rômulo teve um mal pressentimento. - Você acredita nele? - Sim - a voz denunciou a incerteza - ele existe? - Existe. Mas não do jeito que você imagina. Esse deus realmente criou a terra e os homens, os animais e as plantas. Converteu os mares em céus e céus em mares. Mas depois de alguns milhões de anos, o tédio o consumiu. Eu diria que esta é a pior parte da espera, o tédio. Ah, o tédio como muda a gente, não acha Rômulo? seu pai sabia. Uma garrafa de cachaça.... logo depois o tédio e a surra diária. Eu vi isso tudo. Eu ouvi as rezas da sua mãe. Mas era tão mais divertido ver você naquela situação. Como cresceria? beberia como o pai? claro que sim. O tédio, Rômulo, é a coisa mais perigosa que há. É a coisa mais perigosa que me aconteceu.
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Tédio Nocivo
Short StoryUm conto de terror envolvendo uma entidade e um homem comum, a conversar.