Edvan brincava na praça central da pequena cidade, jogando bola com seus pés machucados de tanto chutar os paralelepípedos cinza do chão. Sua amiga Anatólia observava enquanto escovava os cabelos de sua boneca recém-ganhada. Edvan era um garoto miúdo, com olhos grandes e cintilantes, sua pele alva era manchada de pequenos pontos marrons, oriundos de uma dieta pobre e de sua infância repleta de doenças, mas isso não o fez menos guerreiro.
Vindo de uma pequena ruela ao leste estava Pietro, um garoto forte e corpulento, olhos cinza e cabelos rebeldes. Suas roupas eram iguais à de Edvan, puídas e sujas, mas isso não impedia Pietro de ridicularizar Edvan e seus amigos, como se ele tivesse alguma vantagem sobre eles.
— Ei macaco! – esse era o apelido favorito de Pietro para chamar Edvan, por conta de sua pele queimada pelo sol. — Me passa a bola.
Anatólia fingia que brincava com sua boneca, mas seus olhos sagazes estavam postos sobre seu amigo, ela sabia o que fazer se algum momento extremo chegasse. Ele recuou, junto com os outros meninos. Dentro das lojas do centro da cidade os vendedores olhavam curiosamente aquela comoção no meio da praça, em um piscar de olhos Pietro avançou sobre ele e tomou-lhe a bola, botando-a para cima. Os outros foram até ele, e pulando tentaram pegar a bola, inutilmente, ele era alto demais.
A garota levantou-se, mostrando sua roupa branca com babados azul bebê no colarinho e mangas, ela era uma nobre, da elite rookgardiana. Ela, diferente de seus pais, não importava-se em se misturar com as pessoas mais pobres, não sentia que seu lugar era entre os mais ricos.
— Deixe-os em paz, Pietro. – respondeu com sua voz severa. Tirou seus cabelos negros escorridos do ombro e olhou profundamente para ele. Ele sabia que não podia com ela, era perigoso mexer com alguém tão rico em uma cidade tão pequena, apenas resmungou e lançou um olhar mal humorado, mas não sem antes tacar a bola para dentro do poço que havia no centro da praça. As crianças resmungaram e cada um foi para sua casa. Sobrou somente Edvan e Anatólia.
Os vendedores voltaram às suas atividades, vendo que não havia nada a se preocupar, já que o assunto fora resolvido por uma nobre.
— Não se preocupe. – sua voz agora era meiga e cheia de ternura. Ela pegou na mão de seu amigo. — Vou pedir para meus pais comprarem outra novinha.
— Não! – ele retirou a mão rapidamente. — Quer dizer... Não, Anatólia. Obrigado, mas não sei se seus pais vão querer comprar uma bola para alguém como eu, vou arranjar um jeito de pegá-la de volta.
Na porta da biblioteca estava uma senhora já de cabelos grisalhos, trajando um vestido simples da cor cinza, seus olhos eram tão perspicazes quanto os de Anatólia.
— Ei! Garoto venha cá! – Edvan deu um sobressalto quando ouviu a voz rouca da mulher, e seu dedo caloso apontando para ele. Ele foi de cabeça abaixada enquanto sua amiga voltava a se sentar no banco para a brincar com sua boneca, mas não sem abaixar a guarda para proteger seu colega.
— Sim senhora.
Rudberg era uma mulher alta e estritamente severa. Já fora uma grande feiticeira, havia feito várias campanhas para o governo de Carlin e Thais, mas ao fim de sua vida decidiu voltar a sua cidade natal, Rookgard, onde agora trabalhava como curadora da biblioteca. Era um passa tempo interessante, ela diria se alguém a perguntasse, mas algo dentro de seus olhos a denunciava, mostrando que ainda sentia falta de seus dias de glória matando Ciclopes.
— Você quer aprender a se defender?
— Minha mãe diz que...
— Sh! Não perguntei o que a velha da sua mãe tem para dizer. Já dei aulas para ela, sei a quão cabeça fechada Anastácia pode ser. Eu te perguntei se você quer aprender a se defender. – Ela acariciava um pequeno amuleto em forma de cruz pendurado em seu pescoço.
